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💑 HOMEM 👨 E MULHER 👩 DOS “GOSTOS"👍
A Loja das Crónicas
Histórias de Natal!
NATAL – SÓ!?
OU
O HOMEM MISTERIOSO…
Um Original de “O Gráfico” (Luís Rodrigues-RO) – 2007
Dia de Consoada, em Burgau, finais dos anos 60.
Como habitualmente o Senhor Zeferino esperava a visita do seu cliente preferido… o Luiz que o procurava para ler as crónicas rascunhadas em sebentas com folhas amarelecidas… e desta vez, ao ver o menino chegar à sua barraquinha… atirou de chofre:
-Olá, Luiz! Já sei o que pretendes! Toma lá, para ler, mais uma crónica do futuro… esta vai ser produzida no ano de 2007 e irás gostar certamente!
Os olhos do garoto arregalaram-se… recebeu o caderno e pôs-se a ler a nova crónica do Senhor Zeferino…
A |
NOITE estava fria! Saíra à rua sem qualquer razão… foi por instinto sem qualquer intuito furtivo. Ia fazer não sabia o quê… A neve suspendera de surpresa a sua precipitação gélida e diáfana, por isso ele resolvera ausentar-se temporariamente do aconchego do lar e embrenhar-se na fuligem da noite.
Todavia, ostentava no rosto uma espécie de competição íntima… Para trás deixara a mulher e as suas três filhas a deliciarem-se com as tarefas domésticas, triviais em vésperas de Natal. Filhós, bacalhau, couves, sonhos e outras coisas mais entre gritos de “passa-me a farinha”, “vai-me buscar o óleo à despensa”, “não te esqueças dos ovos”, “as batatas já estão descascadas?”, “ai que me queimei…”
E foi precisamente neste interregno dos preparativos da consoada que ao espreitar pela janela se aprestou a vestir a samarra e sorrateiramente decidiu-se a ir dar uma volta… Queria estar só para provar a si próprio que sozinho é que se está bem, contrariando as inúmeras teses de vários colegas de profissão e amigos que se lamentavam frequentemente de viver sem companhia… solteiros, viúvos, divorciados, entre outros. “Quão dolorosa é esta vida”, diziam eles. Com uma família de cinco pessoas, ele replicava: “-Qual quê!? Sozinhos é que vocês estão bem… Ninguém vos chateia… Tomara eu…!”
Era este o seu desafio… estar só naquele momento para provar que ele é que tinha razão.
---o---
Olhou de soslaio para o seu carro estacionado e pôs-se a pé… Atravessou a estrada e subiu a avenida. Andou absorto alguns metros ao acaso até que avistou numa praceta um vulto na escuridão. “-Olha, aquele está ébrio, sem dúvida” – raciocinou. Aproximou-se e meteu conversa:
- Então, amigo, por aqui?...
- Hic, sim, não tenho ninguém para me acompanhar na noite de Natal…
(Ficou cismático)
- Ah, então devia sentir-se radiante, sozinhos é que estamos bem… - comentou.
- Não diga isso homem, eu vivo só há muito tempo, depois de uma vida feliz com mulher e filhos e não sei o que hei-de fazer à minha vida…! – desabafou o estranho e continuou…
- Olhe, neste momento, só tenho esta companhia (exibiu uma garrafa de whisky na mão esquerda) e já estive a comer uma pizza numa pizzaria! Você lá sabe o que é estar só em casa, sem ninguém!? Chegamos lá, à noite, a mesma está fria, gelada, sem uma ponta de mimo, sem calor humano… nem me apetece confeccionar comida. Janto sandes e coisas enlatadas. Às vezes nem mudo de roupa, sento-me no sofá vejo televisão e adormeço… De manhã acordo, lavo a cara e vou para o trabalho… Não me apetece fazer nada e a casa está sempre suja, dessarumada, húmida… Quem me dera que a minha mulher voltasse para mim e me devolvesse os meus filhos… É que isto de estar e viver só, tem muito que se lhe diga… uma coisa é querermos estar sós, sabendo conscientemente que temos família em casa… há sempre o regresso e a família lá está à nossa espera, mesmo havendo discussões e muitas arrelias… outra coisa é estarmos e permanecermos realmente sós e vivermos sem qualquer companhia!!! Não desejo isto a ninguém. É horrível. É uma miséria…
Ele ouviu, primeiramente perplexo e depois sereno, esta comunicação de desgostos daquele homem desconhecido e abruptamente como que atingido por um vislumbre fulminante retorquiu:
- Oh, homem, venha daí vamos passar a consoada a minha casa!...
Esquecera-se completamente do propósito da sua misteriosa saída nocturna. Caminharam juntos até à sua casa. A porta cá em baixo estava entreaberta… estranhou, ficava sempre trancada! Subiram as escadas e chegaram ao seu 2.º andar esquerdo daquele prédio trintenário… Ele à frente, como um cicerone qualificável, o solitário na retaguarda. Colocou as mãos num dos bolsos do agasalhado vestuário em busca da chave da porta e curiosamente não a encontrou… Voltou-se para trás e comentou ao seu novo amigo: - Não compreendo, quase jurava que tinha o porta-chaves no bolso! Não faz mal, tocamos à campainha.
E assim sucedeu em simultâneo com um último desabafo: - Amigo, prepare-se para a confusão… vai voltar a gostar de ficar só!...
Trim… trim… (som da campainha).
A porta abriu-se e deu de caras com a esposa.
- Amigo, venha daí - exclamou virando-se para trás… Não observou ninguém. Ficou estupefacto!
Proclama a mulher:
- Oh, homem, saíste?... O que é que tens, o que foi? Parece que viste um fantasma?? – interrogou-se.
- Hem!? Não, nada, eu… não foi nada… fui só até lá fora espairecer… - justificou-se.
---o---
Entrou e despiu a pesada e quente samarra enquanto o seu odor preferido de bacalhau cozido com batatas se expandia pelo hall de entrada. Olhou novamente para a porta de acesso ao seu lar, doce lar (!?) e encolheu os ombros intrigado, proferindo de seguida para as filhas que estavam na cozinha:
- Queridas, vamos ao bacalhauzinho que deve estar delicioso, como sempre…!
Entrou na sala e sentou-se no sofá, a televisão estava ligada. Antes de se sentar à mesa e enquanto meditava no sucedido olhou para a cintilante e vistosa árvore de Natal da família – era repetidamente a mesma, na última dezena de anos! – e lá observou com um sorriso matreiro os embrulhinhos da praxe a si destinados… De certeza, mais uma vez, a garrafinha do tinto especial e o After-Shave juntamente com a água de Colónia de marca, para não lembrar das peúgas e cuecas, estavam prontinhas para serem desembrulhadas…!
Mas, primeiro, havia que degustar o tentador e irrepreensível fiel-amigo!!
---o---
Entram na sala de rompante com as travessas na mão, compostas de suculenta comida, as suas três filhas e exclamam num misto de irritação e carinho, em uníssono:
- Papá, ainda não te descalçaste…!?!
Natal de 2007
Nota:
Um Conto de Natal, lembrado e escrito pelo Luís Rodrigues-RO em 2007, para ser dedicado, desta vez, em 2022 a Maria Teresa Rodrigues e ao seu distinto companheiro Luís Rodrigues.
MTR
ResponderEliminarRO, obrigada pela Crónica e pelo bonito Conto de Natal de 2007 Amei. Tentei abrir a Cronica no link e não consegui, até parece que adivinhou a minha intenção. Mais uma vez obrigada 🙏