🧐🕵️ Primórdios da Problemística Policiária Portuguesa...👣👣 🔍
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PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA POLICIÁRIA PORTUGUESA
PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA POLICIÁRIA PORTUGUESA
(CONTINUAÇÃO)
CICLO REINALDO FERREIRA – “REPÓRTER X”
Dando sequência à reprodução dos denominados “Contos Misteriosos”, com os quais Reinaldo Ferreira – “Repórter X” deu início em 1927, em Portugal, à problemística policiária, inserimos hoje mais um desses contos-problema – o 10.º - que o jornal “Primeiro de Janeiro” publicou no dia daquele referido ano.
Reproduzimo-lo, tal como temos vindo a fazer, respeitando a grafia da época.
“CONCURSO DOS CONTOS MISTERIOSOS” N.º10
FUGIU O LEOPARDO
“- Realmente você não se recorda do caso do leopardo? Que idade tem? Vinte e nove? Então não admira. Há vinte e dois anos era você ainda um fedelho de calção e bibe… Pois… o caso do leopardo deu que falar: “Foi num dia de semana, aí por meados de Abril... Um dia de semana morfinado de sol que dava a Lisboa a languidez morna dum domingo. Os eléctricos iam apinhados de gente… Nos jardins, nos parques, nas avenidas traquinavam, como em pleno campo, ranchadas de miúdos, sob a vigilancia das frauleins (naquele ano de 1905 as frauleins estavam em moda). De súbito começou a correr, com a velocidade de uma bicha de rabiar, um boato assustador: tinha fugido o leopardo do Jardim Zoológico. E o boato era verdadeiro. Aproveitando, simultaneamente, a distracção de um guarda e o descuido dos operários que andavam a concertar o telhado do carcere, a féra, como um presidiário que tudo arrisca, na ancia da liberdade, marinhou, pulou e, fazendo prodígios com a elasticidade do seu corpo pintalgado, fugira da jaula. Calcule você o que seria num dia daqueles!... O jardim cheio de senhoras e bebés…
Deram o alarme… Expulsaram os visitantes… Fecharam as portas do parque… Chamou-se pelo telefone um pelotão da Municipal - e eis o Jardim da Palhavã transformado em selva africana, palco de caçadas emocionantes… Houve tiroteio: as garras do bicho rabiscaram de sangue a carne dum soldado – e acabou por ser morto por outro, que sabiamente se empoleirara numa árvore. Encheram-se colunas e colunas nas gazetas – mas no fim de uma semana já ninguém se lembrava do «caso do leopardo». Só eu não o esquecia nem esquecerei, em cem anos que viva… Porquê? Porque eu sabia que a fuga do leopardo, atribuída ao acaso, ao descuido, à distracção,à fatalidade – tinha sido obra consciente de um malvado. Eu lhe conto…
De verão e de inverno eu passo um bom par de horas, todos os dias, a pavonear pelo Jardim Zoológico. Vivi vinte anos uma vida de aventureiro pelo interior de Angola – e durante todo esse tempo a minha única distracção eram os animais: os que domesticava e levava comigo em todas as viagens – e os que eu matava, em caçadas que organizava… De regresso à Europa encontrei, nesses passeios por entre as alas marginadas de grades e povoadas de bichos de jardim, a forma de aguar um pouco a nostalgia dos tempos coloniaes.
Não é, pois, para admirar que eu fixasse e conhecesse todos os outros habitues do Jardim. Nos princípios daquele verão de 1905, começou a aparecer por lá uma dama, mui nova ainda e loira como nunca vira outra, nem entre as miss de Cap Town. Durante todas as suas visitas a colecção que mais lhe chamava a curiosidade era das féras – o leopardo, sobretudo, atraía-a magneticamente. Havia, nessa predilecção, um mixto de terror e de volupia doentia. Esgazeava os seus lindos olhos claros, empalidecia; enclavinhava as mãozinhas alvíssimas na barra de ferro e recuava o busto, como se quisera fugir e alguem a prendesse, a obrigasse a ficar. E o leopardo conhecia-a já. Quando a via ali, a tentar-lhe a gula, imobilizava-se, espreitando por entre as grades. Depois, os olhos a fogo fatuarem, encolhia-se, pulava, lançando-se em saltos elásticos contra os ferros, como se os não visse, como se não o separassem daquele corpo que parecia oferecer-se-lhe…
Uma tarde apareceram no jardim dois índios, um ainda novo, outro já com os fios de prata a alvejarem nos cabelos lisos e espelhantes. O mais novo trajava com modestia e sobraçava uns livros; o mais velho, apinocava-se, ridiculamente; trazia os dedos a sangrarem pedras vermelhas e apoiava-se numa bengala, de castão de ouro, e tão fina que parecia um florête. Notaram os dois orientaes a extravagante contempladora do leopardo e os seus olhos, tiveram, por minutos, o mesmo brilho de avidez, dos da féra. Surrateiramente aproximaram-se da dama e começaram a cochichar-lhe galanteios ao ouvido. Ela, despertando do seu extasi, franziu o sobrolho e fitou-os com severidade. Mas eles não desistiram, e teimaram até que ela, encolhendo os ombros, reviravolteou-se e partiu, desabrida e enfadada.
Mas no dia seguinte lá estava outra vez, frente à jaula, excitando a gula do leopardo, e pouco depois flanquevam-na os dois índios da véspera, o novo sobraçando os mesmos livros, o velho, apoiando-se á bengala. Novos galanteios - e a dama loira partiu, mais aborrecida ainda. E o episodio repetiu-se durante um mez.
A dama trocou as horas da visita; e os seus perseguidores adivinhavam-na e vinham a tempo de a incomodar. E por fim já não se lhe apresentavam sorridentes e bajojos. Havia nas expressões dos seus rostos bronzeados um ar de ameaça. E eu, que sou comodista e que me divertia com o episódio, não intervinha, entre outras razões porque pensava que a dama podia evitar, quando quisesse, aqueles importunos.
Mas uma manhã a amadora das féras não veio só… Acompanhava-a um galã de monoculo e plastron, que se dependurava no seu braço e para quem toda ela se derretia. Desta vez não parou em frente á jaula; caminhou, distraída, em direcção a um quiosque todo forrado de verdura. E eu, que estava sentado próximo à colecção de féras, vi que os dois enamorados eram seguidos pelos dois índios.
Outra semana se desbobinou para o abismo dos tempos. A dama passára a frequentar o jardim, sempre pelo braço do seu galã; e os dois índios assistiam, impávidos, ao derriço. Mas já não os seguiam. Os seus passeios eram limitados agora á zona das féras… Ladeavam a jaula do leopardo, dando-lhes voltas e mais voltas… Algumas vezes paravam para contemplar o bicho e murmuravam, entre eles, monosílabos misteriosos.
Um dia, acabava de chegar ao jardim quando ouvi um guarda bradar: - Saiam do Jardim! Saiam do Jardim! O leopardo fugiu da jaula». Você visiona facilmente o pânico que se estabeleceu. Gente que, na cegueira do mêdo, não dava com a porta… Petizes a berrarem… Damas que desmaiavam…
Vim, de roldão, para a rua e fiquei, abrigado numa lojeca visinha, a presenciar o espectáculo… E bastante tempo depois de entrarem os soldados da Municipal, saía, em braços do seu galã, a dama loira… – Escapou por um milagre - murmurou um outro guarda, ao passar por mim. Estava tão derriçada com o namorado que não deu por coisa alguma… E o leopardo parecia farejá-la como os cães farejam os gatos».
- Ainda está algum visitante lá dentro? – indaguei:
- Dizem que está um índio que entrou para lá muito cedinho; mas não há forma de se dar com ele.
- Devem ser dois… - retorqui.
- Não são… De facto, costumam vir dois - mas hoje veio um só.
Interroguei-o ainda sobre a idade desse índio. Não me soube responder. Do jardim chegava até nós o som do tiroteio; e aquele guarda, que me conhecia, abriu-se comigo:
A culpa não é nossa… Veem para aí brincar com os bichos… Olhe… Havia quatro dias que alguém conseguira tirar da jaula, por entre as grades, a refeição do leopardo…A féra estava cheiinha de fome… E hoje, o Manecas, o pequeno, o filho do chefe, viu que andavam a picar o animal, a excitá-lo mais ainda… E o animalzinho, cheio de fome e espicaçado, enfureceu-se e fugiu…
Ergueu-se, nítida, dentro do meu espírito a suspeita. Fôra um dos índios – aquele a quem a dama loira despertára maior paixão – que provocára a fuga do leopardo. Mas qual dos dois? O novo ou o velho? Um deles só seria, porque só um entrára, naquela manhã, no jardim…
Este enigma preocupou-me semanas inteiras – mas por fim, matei a charada. O único que podia tirar a comida da jaula e espicaçar o animal, era o mais…
* * * * *
Raciocinem, releiam as linhas em itálico e encham o cupon”.
* * * * *
MANUEL
CONSTANTINO
FALECEU
HÁ UM ANO
Fez no passado dia 30 de Novembro um ano que o Policiário perdeu um dos seus mais lídimos cultores de sempre.
Mestre Constantino – como nos últimos anos era tratado pelos seus confrades pelo elevado mérito da numerosa obra que nos legou – deixou-nos fisicamente, mas deixou, também, o seu nome indelevelmente inscrito na história do policiário português.
»»» Publica-se aos dias 15 e último de cada mês! «««
PAZ Á SUA ALMA✝
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