quinta-feira, 8 de agosto de 2024

👣 Primórdios da Problemística Policiária Portuguesa »»» PPPP »»» CORREIO POLICIAL - Domingos Cabral ☝ (Re)publicação - "CORREIO POLICIAL" de: 08.JAN.2021

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 *** 17.ª Edição! 🧐 📖

 


PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA POLICIÁRIA PORTUGUESA

POR: DOMINGOS CABRAL

 


PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA POLICIÁRIA PORTUGUESA

(CONTINUAÇÃO)

CICLO REINALDO FERREIRA – “REPÓRTER X”

 

***

 

“OS 50 CONTOS MISTERIOSOS” N.º 15

“PUDING” DE CEBOLA      

Este episódio, antes de vir metalizar-se aqui no chumbo das linotypes, sofreu um ensaio de apuro na vida real. Quer dizer, em suma, que a minha fantasia não teve de fatigar-se para o engendrar.

…E não foi há muito tempo: não foi preciso navegar pelos mares tenebrosos dos arquivos e da Torre do Tombo. Data apenas de há dois anos e meio…

Onde? Quem o heroifica? Nestes detalhes, sim, intervem a imaginação. Suponhamos que esta anedota teve, como palco, um palácio – um palácio na Avenue du Bois - em Paris. Pois bem… no verão de 1825.

*

No verão de 1825, uma família de apelido Piñol, numerosa e ridícula, desembarca em Cherbourg e vem, de olhos escancarados, instalar-se em Paris. Compõe-se a tribo de papá, mamã, cinco descendentes directos – um do sexo masculino, com  prosápias no vestuário e no porte. À Willim Farnum e muito convencido que a Dama das Camélias se apaixonará por ele, logo que o saiba em França, e quatro do outro sexo, todas pretensiosas, ruidosas, olheirentas, prendadas à lá maniére espagnole, muito lidas em romances traduzidos e tão orgulhosas do dote prometido pelo pai, tão ambiciosas de luxo e de pompa, que trazem o plano de se aparafusarem, como eixo único, à vida elegante e aristocrática de Paris.

O velho Piñol, há quarenta anos, descera de blusa e alpercatas ao porão de um transporte de emigrantes… O Chile, o Peru e por fim a Venezuela escancaram-lhe as portas diamantinas da Fortuna. Muitas vezes milionário e sem energia para controlar os caprichos da prole, resolveu ir para França e pagar, por qualquer preço, a realisação dos sonhos e ambições do menino e das meninas.

No primeiro mês instalaram-se no Claridge Hotel e instalaram-se no Claridge porque lhes disseram que era o mais caro da capital. Mas logo na semana da chegada manivelaram todas as agências parisienses para que lhes buscassem um palácio – quanto mais histórico melhor.

Por fim encontraram aquele casarão na Avenida du Bois. Quatro andares, jardim, um pateo interior maior que uma praça pública, oito salas, um salão de festas do tamanho da Ópera de Caracas e uma cozinha que poderia servir de laboratório gastronómico para toda a população da Venezuela.

Em dois meses o velho Piñol gastou dois milhões de francos. Dubreck, Joileaux, Marsac forneceram-lhe os móveis e as tapeçarias… Catullon, as pratas; Fillier, as louças; Jacob pintou em dois dias os retratos de todos os antepassados de Piñol até a um grave capitão barbudo, que acompanhara Cristovam Colombo à América. Paquin e Regnier vestiram as damas; “New London” forneceu as casacas ao papá e ao herdeiro.

Montada a peça de grande espectáculo – faltavam os espectadores… E eis o Piñol a gatafunhar à pressa os cheques sobre o Banco Rio de la Plata, subornando os elegantes pobres da sociedade parisiense, os petrónios aventureiros, os béguins profissionaes dos salões – para estabelecer o contacto entre os neófitos e o Tout-Paris, tão ambicionados pelas señoritas Piñol.   


      *

Chegou o grande dia – um dia de apoteose da família Piñol. Vão dar o primeiro banquete. A ele assistirão dramaturgos afamados, cronistas mundanos, marquezas da velha roche – e de todas as roches; diplomatas, generaes de vários uniformes, artistas em moda - e possivelmente o ministro dos Estrangeiros quem, um dos aliciadores convenceu que Piñol, mais dia, menos dia, seria eleito presidente da República da Venezuela.

A dona de casa sobre quem pesava uma tremenda responsabilidade – a de servir de regisseur da festança, limitava os seus conhecimentos em francez a três frases: oui, monsieur, non madame; ah! que chaleur! Para dirigir os guisados aquele vocabulário era insuficiente. Tinham trazido de Caracas algum pessoal; Nañela, uma mulata especializada em paella; Rondon, índio mestiço, bacharelado em almondegas e petiscos nacionaes, e Paço, que aprendera com os deuses a alquimia dos doces divinos. O jantar deveria ser cozinhado por estes três “azes” da glutonaria venezuelana – e para que os curiosos não o estranhassem foram prevenidos por Piñol que o menu oferecia a surpreza de um absoluto regionalismo transatlântico.

Para ajudar os três cozinheiros importados da Venezuela vieram dois moços da cozinha do Claridge, Jean e Luquec, aparvalhados cidadãos de Auvergnne; e o próprio Max, porteiro que há mais de vinte anos servia o palácio, cedido a Piñol juntamente com a casa, foi destacado para o serviço de picados e temperos.

Max era um resmungão e antipatizava com os novos amos. E aproveitando a ignorância dos cozinheiros de Piñol, satisfazia-se insultando-os, em francez.

-“Sales types”!  Nouveaux riches”! “Tanta comida estragada”!

-Só com um desses pratos alimentava-me eu e os meus quatro netos durante um mês inteiro.

Também os amos não gostavam de Max. Mas Max era útil. Max sabia todos os recantos do palácio.

*

O jantar estava anunciado para as sete e meia. Às sete chegaram os convidados; e desde então os Piñol não falavam de outra coisa que não fosse a originalidade do menu, à maneira da Venezuela. E sem notarem os risos que os convidados dificilmente abafavam, insistiam no elogio à volta de um tal puding de cebolas, um mimo da guloseima venezuelana, objecto dos maiores cuidados dos alquimistas da cozinha. Ao ouvirem falar de puding de cebolas, os convivas entreolharam-se assustados. E os Piñol explicaram:

- Leva cebola e chocolate e hervas de… É uma verdadeira delícia! É o clou do nosso jantar – o prato substancial… É doce e alimentício ao mesmo tempo. Come-se desde aperitivo até ao café… Pode e deve-se esfarelá-lo na sopa – e molhá-lo no café.

Entretanto na cozinha era grande a barafunda. Todo o pessoal sob as ordens do mestiço Rondon, confeccionava o puding de cebola. O aspecto era tentador. Dir-se-ia um castelo coberto de carvão… Mas Rondon dava ordens e ninguém o entendia. Jean, quando ele pedia assucar, trazia-lhe pimenta; Luque perdia-se no labirinto da casa; a mulata Nanêla descompunha os francezes e chamava-lhes selvagens; e Max, o velho Max, anti-burgez, esquecia-se, por momentos, dos netos, para rir-se a bom rir.

Às sete horas o puding saiu do forno para esfriar, e foi guardado por Max num armário forrado de zinco.

*

Sete e meia! Oito horas! Oito e meia! Madame Piñol, repetia vinte vezes o Oh! Que chaleur! Mas o jantar não era servido. Havia gestos de impaciência entre os convivas. Tocou-se a campainha – e a mulata Nanêla, muito enfiada, veio segredar aos amos:

- O puding de cebola desapareceu!

A família Piñol ia desmaiando! Desaparecer assim o puding de cebola – o clou do banquete! E como tinha sido? – Nanêla explicou: Às sete e meia, Rondon preparava-se para começar a servir o jantar e ordenara que fossem buscar o puding, que devia aparecer na mesa ao mesmo tempo do que a sopa. E como o puding pesava bastante e precisava de ser tratado com toda a cautela, Paco, Jean, Luquec, guiados por Max, encarregaram-se desse serviço mas quando abriram o armário de zinco, constataram, alarmados, que o puding já lá não estava.

     Era evidente. O roubo tinha sido feito por alguém que estava na cozinha. Mas qual dos seis funcionários dessa secção do palácio era o ladrão?

    A família Piñol nunca o descobriu; e contudo se ela estivesse estado na cozinha durante a confecção da guloseima, se tivesse escutado as conversas que lá se trocaram, não hesitaria em acusar (……..) como autor da proeza.

Quem furtou o puding?

 

*   *   *   *   *

 

REINALDO FERREIRA

A HISTÓRIA DE UM PSEUDÓNIMO...

"A celebridade jornalística de Reinaldo Ferreira fez-se em Portugal a expensas de uma "gralha", como em gíria de Imprensa costumamos chamar aos erros tipográficos. Passando, um dia, a vista pelo jornal A Tarde, do saudoso Jorge de Abreu, ficou ele muito surpreendido por ver assinado com o pseudónimo Repórter X um artigo que tinha firmado com o seu nome: Reinaldo Ferreira.

Averiguou no dia seguinte que o tipógrafo lera Repórter onde estava Reinaldo e X onde traçara, num arabesco fugidio e apressado, o seu apelido Ferreira. Achou graça ao engano e adoptou-o. Por sorte, era aquele o primeiro de uma série de artigos sensacionais que o Reinaldo se propusera escrever - e escreveu - acerca da ditadura de Primo de Rivera, em Espanha. E o pseudónimo, intrigando o público, aumentava-lhes o interesse.

Perguntava-se nos "cafés", mesmo entre os oficiais do mesmo ofício, quem seria aquele misterioso Repórter X tão profundamente versado na política do país vizinho. Quando tempos depois se difundiu a notícia de que Repórter X e Reinaldo Ferreira eram uma e a mesma pessoa, já A Tarde tinha quadruplicado a sua tiragem e o verdadeiro nome do articulista perdera interesse.”

(Extracto do prefácio de Mário Domingues publicado no livro "As Memórias Extraordinárias do Major Calafaia", de Reinaldo Ferreira, "Repórter X", editado em 1945 pela "Vida Mundial Editora, Lda.).

 


Capa de Ramos Ribeiro para “A Vida dum Aventureiro”,

colectânea editada cinco anos após o falecimento do autor.


 

 


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...Excepcionalmente esta edição foi antecipada, a sua publicação, em oito dias, uma semana!


 

 

 

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