PÁGINA CULTURAL DE DIVERTIMENTO

Divirtam-se neste espaço onde não se ganha milhões de euros e ninguém fica rico! Este é um local de diversão e puro lazer onde a única riqueza se granjeia a fomentar e divulgar a amizade, a alegria e a liberdade de expressão — e lucrando-se, isso sim, montes de Companheirismo e Fraternidade! (RO)

sábado, 15 de fevereiro de 2025

👣 Primórdios da Problemística Policiária Portuguesa »»» PPPP »»» CORREIO POLICIAL - Domingos Cabral ☝ (Re)publicação - "CORREIO POLICIAL" de: 02.ABR.2021

🧐 🕵️ Primórdios da Problemística Policiária Portuguesa...👣👣 🔍

📝🔦 https://reporterdeocasiao.blogspot.com/  🔐

⌛ 📖 🔦 🧐  reporter.de.ocasiao@gmail.com 🖊📱

 *** 29.ª Edição! 🧐 📖

 


PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA POLICIÁRIA PORTUGUESA

POR: DOMINGOS CABRAL

 

(CONTINUAÇÃO)

CICLO REINALDO FERREIRA – “REPÓRTER X” 


*  *  *  *  *

 

 

 

“OS 50 CONTOS MISTERIOSOS” N.º 27

MEIO-AMOR

Ruy Duque podia, realmente, orgulhar-se do seu triunfo na vida. Apaixonara-se, deste a primeira hora da sua carreira consciente, pela arte teatral – e logo á primeira tentativa a sua obra inicial fôra aceite pela empreza e tivera um êxito retumbante. Mas, a razão mais forte do seu orgulho não constava apenas duma vitoria artística, de ser solicitado por todos os teatros, que esmolavam, quasi, as suas produções; não constava apenas do aplauso do publico que o glorificava… Ia mais longe a sua ventura: é que, desde que havia teatro em Portugal, desde Gil Vicente até aos revisteiros mais transigentes com a grosseria da geral, nenhum escritor de teatro conseguira a fortuna que ele amealhara, ao cabo de poucos anos.

     Mas Ruy Duque dedicára-se ao teatro, como um industrial ás suas fabricas. De manhã até á noite, todos os seus recursos de inteligência, de inventiva, de cultura coincidiam sobre o papel em branco, como o fogo sobre palha. Houvera temporadas que todos os teatros de Lisboa contavam com duas e trez obras suas nos seus reportórios.

     Já se vê que tal excesso acabára por secar a fonte milagrosa da sua imaginação. E ele, que até ali se contentara em derramar o suco da sua fantasia – teve de defrontar-se com a inútil realidade do seu esgotamento.

     Não era homem para se dar por vencido facilmente. E se a inventiva fazia greve – a vida, mina inexgotavel de assuntos, passaria a fornecer os argumentos para os seus dramas, para as suas comedias, para todas as suas peças teatraes.

     E essa reviravolta não o prejudicara, antes pelo contrario. A sua ultima obra, “Meio-Amor”, estreada no Nacional, ia já na centessima representação e prometia eternizar-se no cartaz. Entretanto, o assunto da sua comedia, “tão original e pitoresco”, como o designára a critica, não era imaginado por ele… Fôra a vida que o trouxera, inteiro, completo, sugestivo… Ele contentára-se em ouvir e sujeitá-lo aos moldes da sua técnica especial.

*

Acabara Ruy Duque de remeter para o Banco o produto da sua ultima liquidação com a Sociedade dos Autores, quando o creado lhe veio anunciar uma visita.

     - Não estou em casa para ninguém! – declarou.

     - Perdão! – retorquiu o creado… O senhor Melo Rodrigues afirmou-me que desejava vê-lo! Bastava saber quem era para o receber imediatamente.

   - Melo Rodrigues? Porque não o disseste logo? Manda-o entrar…

     Havia um contraste flagrante entre a falsa alegria com que o dramaturgo acolhera o nome do visitante e a palidez que lhe embranqueceu o rosto.

     Melo Rodrigues era um velho de hercúlea compleição, a barba branca a nevar o fato negro que usava desde a morte da mulher – havia vinte anos.

- Sênte-se, sr. Melo… - convidou Ruy, num esforço de cortezia insincero.

     - Não me sento, Ruy. Não posso sentar-me. E tu sabes porquê… Enquanto não me provares o contrario, considero-me em casa dum inimigo!

- Sr. Melo… Não diga isso! Eu… seu inimigo? Eu… filho do seu melhor amigo?

     - Não negues… Mas já que queres tomar essa atitude – ouve-me as causas da minha indignação. Há muito que ouvia falar do teu ultimo êxito – e ontem, contra os meus hábitos, fui ao teatro. Vi a tua peça – e compreendi logo que aquela originalidade, aquele ineditismo não saira do teu cérebro. Tu contentarás-te em copiar o drama secreto da minha vida…

     - Por Deus, sr. Melo!

     - Não mintas! Não creio na possibilidade de inventares tal trama.

     “Aquela filha, que era o único sol da fria velhice de um pobre pai – encarnava a minha Lucinda. Não pode existir, nem na imaginação mais fecunda, uma pequena tão meiga, tão doce, tão amiga do pai… Também não é possível inventar esse monstro sem pernas, que anda num carrinho de rodas, que consegue enamorar a filha obediente até á loucura do rapto – se não conhecesses o Norberto…

     «Norberto era o pintor; recolhi-o em casa… O aleijão apaixonou-se por Lucinda… E o peor é que Lucinda se apaixonou também por Norberto… Eu, percebi a tempo esse amor maldito. E como o contrariei – Norberto jurou-me vingança…     Lucinda fugiu com Norberto, seduzida, magnetisada, sabe Deus com que bruxedos. Nunca mais os vi. Lucinda ama-me como quando eu era seu único amor. Escreve-me todos os dias, sem me dizer onde se oculta.

     “Este drama só é conhecido por três pessoas: por mim, por Lucinda, e por Norberto. Ele surge e espalha-se, atravez da tua obra. Na tua obra eu sou o tirano, o infame, o destruidor de corações. Eu só quero que tu me digas quem foi que te contou o meu segredo: Norberto ou Lucinda!    

- Nenhum dos dois! Inventei-o!

*

Ruy declamara esta frase com tal firmeza que Melo Rodrigues saiu convencido. E ao vêr-se de nove só, o dramaturgo sorriu-se e disse para com os seus botões:

- Pobre velho. Enfraquecido deve estar o seu cérebro porque, de contrário, veria que o único que me podia inspirar o meu “Meio-Amor” era…

* * * * *

Raciocinem! Releiam as palavras a itálico e decifrem...

NOTA: Foi mantida, na transcrição, a grafia da época (1927)

 

* * * * *

(Capas de publicações de Reinaldo Ferreira, extraídas, com a devida vénia, do livro “O Porto do Repórter X”, de Joel Lima).

 

 


 

Reinaldo Ferreira (Repórter X) 1897-1935

 

Foi um milagre do jornalismo que não volta a repetir-se. Nenhum, como ele, teve tão completamente o agudo sentido em flecha da reportagem, a emoção cruciante da vida perigosa, uma imaginação veemente, original, sensacional, do proibido, do tétrico, do inviolado, da paixão do crime e do mistério, dos bas fonds das cidades com a sua fauna larvar, dos traficantes de estupefacientes, dos meandros revolucionários, da alta pègre, dos conúbios dos cafés equívocos, dos contrabandistas de carne humana, dos flibusteiros dos portos, dos ladrões internacionais...

 

 


 



DOMINGOS CABRAL DA SILVA

 »»» Publica-se aos dias 15 e último de cada mês! «««  


 


 AGRADECIMENTO:
À digníssima Confrade "Detective Jeremias"
pela sua colaboração nesta edição.

1 comentário:

Os seus comentários são bem-vindos. Só em casos extremos de grande maldade e difamação é que me verei obrigado a apagar.