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terça-feira, 31 de dezembro de 2024

👣 Primórdios da Problemística Policiária Portuguesa »»» PPPP »»» CORREIO POLICIAL - Domingos Cabral ☝ (Re)publicação - "CORREIO POLICIAL" de: 12.MAR.2021

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 *** 26.ª Edição! 🧐 📖

 


PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA POLICIÁRIA PORTUGUESA

POR: DOMINGOS CABRAL

 

(CONTINUAÇÃO)

CICLO REINALDO FERREIRA – “REPÓRTER X”

*  *  *  *  *

 


“OS 50 CONTOS MISTERIOSOS” N.º 24

O QUADRO DE BETTOLOZI

De fraque preto, enluvado, solene como se fosse para uma missa, Henrique L…, ajudou Laurinda a descer do auto e dando-lhe o braço atravessaram o passeio atapetado de areia vermelha e entraram no Salão. E quando no átrio, compravam o catálogo dos quadros expostos, ouviram uma voz aflautada, a chamá-los pelo nome.

Era D. Catarina das Mercês. Íntima da casa e a quem a cabeleira prateada não impedia de que preferisse as jovens amigas, como Laurinda, as amigas do seu tempo.

         - Nem de propósito… exclama D. Catarina. Parece-me que tínhamos marcado rendez-vous

         E Henrique, a tentar um sorriso que apenas lhe crispava os lábios explicou:

         - Vim para fazer a vontade a Laurinda… Ela é que gosta dessas futurices…

         - E faz muito bem! afirmou logo a velha amiga. Isso prova que sua mulher é um espírito moderno, um espírito moço…

*

         Entraram… Pelas paredes enfileiravam-se os quadros dos pintores modernistas… A violência das tintas parecia desagregar claridades berrantes nas salas mal iluminadas.

         Henrique não tinha gostado daquele elogio que D. Catarina tecera à esposa. «Espírito moço» dissera! E estas duas palavras gritavam, como um alarme aos ouvidos do marido ciumento a quem os espelhos tinam anunciado a aproximação veloz da velhice. Acentuadamente moreno e de estreito perfil, tinha-se a impressão que, se Fregoli lhe substituísse o fraque burguez pela chibata moura, podia confundir-se entre uma multidão rifenha. Quarenta já os fizera, um mez antes; mas a sua mocidade de herdeiro único, bisando todos os prazeres, dobrava também o tempo vivido…

         Em contraste Laurinda era uma frágil garota de desoito anos, casada… por falta de energia para se negar ao namoro ardente que Henrique lhe fizera. Loura, esguia, flexível, parecia recortada da capa da «Les Dames» ou do «Voga». Havia, no estrangeirismo da sua beleza, a evocação duma recente ascendência escandinava, ou pelo menos saxónica.

*   *   *

Henrique, aborrecido logo à primeira vista de olhos, sentara-se no centro da sala, vigiando de longe a esposa. As duas amigas, gémeas, nos gostos pelo contorcionismo e pela vibração da arte moderna, demoravam-se eternidades em frente a cada quadro. Mas houve um entre todos que atraia, quasi numa hipnose, o olhar e o espírito de Laurinda.

Era uma tela de Battolozi; a fantasia exagerada de um moço germanico, exagerada no azul inverosímil dos olhos; exagerada, no louro, quasi amarelo dos cabelos, exagerada, na brancura diafana da pele. Perguntou-lhe D. Catarina que havia de extraordinário, na técnica ou na imaginação daquela obra, para assim agradar à amiga. E Laurinda não o soube explicar. Eram os seus nervos, dedilhados pelas invisíveis mãos ancestraes – produzindo a atracção irresistível da raça – dos amores dos seus avós, dos «fiordes» noruegueses ou dos jardins da Escóssia enamorados pelos gigantes loiros e de olhos azues…

*

A ciumeira de Henrique ao princípio, fôra mais consciência do que dignidade. Ele temia agora aquele abismo de tempo que o separava do coração jovem de Laurinda. E como visse sempre, em cada minuto de vida na capital, uma ameaça para o seu amor, resolveu fixar residência na rua Dumte de Vasgrunho.

Ali acabaria suavemente os seus temores… O palácio ficava no centro da quinta, cercado, branco e nobre, da floresta de pinheiros pigmeus. Uma autentica fronteira muralhava a sua propriedade. E homens só entravam no quarto os da sua maior confiança: o primo Julio, quarentão pançudo, sonolento; o padre Rodrigues; o mulato Gusmão, filho adoptivo do padre, que o trouxe de Angola e que estudava Direito em Lisboa - um garoto atrevidote e velhaco; o engenheiro francês, o loiro Muscat, encarregado de estudo para construção de uma ponte; e José, sobrinho de Henrique, mandrião que aproveitava as suas muitas horas de ócio, em espalhar o mal pela vila visinha…

   Laurinda, habituada ao programa variado da vida social de Lisboa, não se revoltou ante aquele internamento na provincia.  Resignou-se, procurando na leitura dos romances e das visitas, a sensação platónica da existência electrisada das grandes cidades.

A velha Rosa, que fôra ama de Henrique e já o servira naquele palácio, quando Henrique era solteiro, fechou-se com o patrão na biblioteca e sem preâmbulos, informou-o:

 - A D. Laurinda atraiçou-o!

          A onda de cólera que o afogueou foi grande; e não pequena foi a surpreza. Habituado a fantasiar noite e dia, hipóteses de adultério de que ele fosse vítima – não lhe extranhara aquela comprovação às suas suspeitas.

- Como o sabes? indagou.

- Venho do campo, senhor amo. Eu lhe provarei que não minto.

Era quasi madrugada. Henrique, deixando-se guiar pela serva, saiu do palacio e ladeou-o.

         - Não chegamos a tempo – exclamou a Rosa…

         De facto, a certa distancia, corria um vulto, empastelado no negrume da noite: e ouviu-se o ruido duma janela a fechar-se. Henrique disparou todas as cargas da pistola… Mas o vulto corria sempre; e ele já não tinha pernas para o perseguir!

*

Passado o primeiro ímpeto, Henrique veio arrodilhar-se nos pés da esposa, choramingando a sua desgraça. Laurinda confessa a sua falta e estava disposta a deixar-se executar pelo marido. Mas não… Ele amava-a tanto, na sua sensibilidade, que não podia vampirisar a sua vingança no sangue da adultera. Só suplicava, em troca do seu perdão, o nome do amigo que assim o ultrajava.

E Laurinda, erguendo-se, hirta, respondeu apenas:

- Nunca!

- D. Catarina das Mercês foi chamada a Vasgrunho. Era ela a amiga mais íntima de Laurinda. E Henrique, depois de lhe revelar choroso e angustiado, a traição de que fôra vítima, disse:

- Eu bem sei que o culpado sou eu. Na estreiteza desta clausura os desoito anos de Laurinda tinham que exigir… o que exigiram. Estou pronto a regressar a Lisboa, a acabar com vigilâncias e severidades. Mas para isso só peço uma coisa: que me seja revelado o nome do que foi perseguidor de minha mulher. E, juro-lhe: não pretendo desforrar-me… Pretendo afastá-lo para sempre da nossa existência. A única vergonha que me horrorisa ainda é a ideia que poderei continuar a apertar a mão a esse homem. Isso não! Prefiro suicidar-me.

D. Catarina reflectiu e perguntou depois:

         - Quem conhece a loucura cometida por Laurinda?

         - Apenas eu e uma creada.

         - Pois bem. Convide a um jantar todos os frequentadores do palácio - e eu, esta mesma noite lhe direi quem foi o perseguidor de Laurinda.

*

         Henrique encheu-se de coragem e fez os convites… Se o seu rosto tivesse sido blindado, maior não seria a sua imobilidade.

         D. Catarina fitou nas pupilas, um por um, a todos os convivas… Fixou-se nos olhos castanhos de Julio, nos olhitos empapuçados do padre Rodrigues, nas iris faulhantes do mulato Gusmão; nos olhos azues do francez Muscat; nos olhos castanhos e velhacos de José.

         E à noite, quando D. Catarina se encontrou sósinha com Henrique não hesitou na acusação:

         - O único que podia ter perseguido Laurinda foi …

* * * * *

Raciocinem! Releiam as linhas a “itálico”. E descubram quem perseguiu Laurinda.

(NOTA: Foi mantida a ortografia da época).

 

* * * * *

 

 

REPÓRTER X, Pedinte...

Pouco depois do princípio da Grande Guerra, quando na literatura e no jornalismo o espírito da boémia literária dourava com as perspectivas do sonho e da aventura negras horas e dias de miséria, um destes sonhadores descia, ao luso-fusco, o Chiado e é abordado por um simpático mendigo.

- Não lhe posso valer - disse o interpelado. E na camaradagem da desgraça, acrescentou:

- Também eu, a estas horas, ando à procura do almoço de hoje e do jantar de ontem...

- Então, espera aí - responde o mendigo. Disfarce "a coisa" e... tome lá para o almoço... Sou sempre camarada!

- Mas eu é que não sou camarada de você - replica, cheio de dignidade, o poe-ta boémio...

- Não negues, tôlo - retorquiu o mendigo. Não digas que me viste e não recuses o auxílio de um camarada que muito te admira.

Dito isto, deu-se a conhecer.

Era Reinaldo Ferreira, que, disfarçado de mendigo, andava realizando uma das suas reportagens sensacionais!

 


 


DOMINGOS CABRAL DA SILVA

 »»» Publica-se aos dias 15 e último de cada mês! «««  


 

1 comentário:

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