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domingo, 29 de junho de 2025

🎓 Borda D`Água do Conto Curto - ☝Edições Fora da Lei 🗝 Edição -Ano 2019 -CONTOS Variados com 12 Autores!

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O RAIO IMPIEDOSO!...

Amanhecia o dia 13 de Novembro, do ano da desgraça, de 1.013.

Tenebrosa e vagarosamente, acercava-se a hora aprazada para a execução da sentença de morte, por decapitação, de mais um honesto e fiel camponês que não entregara, atempadamente, aos celeiros do Conde, uma avantajada parte das suas modestas e inférteis colheitas, amanhadas à custa do seu suor e dos restantes membros da humilde família, mulher e filhos.

A tempestade desabava, com vento de furacão e chuva torrencial, abrupta e caudalosa, empapando as vestes miseráveis do reduzido ajuntamento, arrebanhado mercê das ameaças dos algozes, assalariados pelo déspota detentor do condado. O mesmo acontecia, à andrajosa vestimenta do condenado, e às vestes de camurça luzidia, cor de corvo, de corte perfeito e enigmático, encimadas pelo capuz encharcado e amarrotado que encobria a identidade do executor, que mais parecia o D. Cabral, recebendo os convidados para o jantar do “Clube Sexta-Feira 13”, que se realizaria cerca de seis séculos mais tarde, nas imediações de Torres Vedras.

Protegido momentaneamente da intempérie, num “palanquim” improvisado no prolongamento posterior da plataforma de madeira trabalhada toscamente, sobre a qual se alinhava o sólido tronco de carvalho, esquadriado com rudeza para suportar o corpo esquálido do condenado, o meirinho assistia, com malévola espectativa, ao minucioso labor execrável, do grupo de sabujos coadjuvantes do carrasco titular.

A tempestade redobrava a sua fúria, tenebrosamente estrondosa, com colossais laivos de electricidade faiscante, que cruzavam os céus plúmbeos, em todas e nas mais estranhas e inconcebíveis direcções.

Quando o meirinho – eventual mestre-de-cerimónias – levou a mão à cintura, para erguer pelo cabo dourado e cravejado de pedras preciosas, a adaga com a qual sinalizaria a ordem de execução, e o verdugo levantou o machado terrífico, mantendo-o erguido à espera da ordem fatal, as forças da natureza, revoltosas e ameaçadoras, calaram-se e aquietaram-se por uma ínfima fracção de tempo, como que para dar realce ao dramático momento que se seguiria.

O meirinho fez um curto movimento erguendo a adaga, sinal para desencadear o suplício, e manteve o braço erguido, à espera que o machado fatal consumasse a execução. Mas quando a pesada e faiscante lâmina, impelida pelos braços vigorosos e musculados do carrasco, iniciava o seu monstruoso arco de morte, um intensíssimo e chispante raio de electricidade desceu do céu, dirigindo-se ziguezagueante ao ferro do machado que o atraía, e com enorme estrondo bifurcou, serpenteando para a reluzente lâmina da adaga imóvel, fazendo com que os dois corpos atingidos pelo faiscante fogo da tormenta, sofressem uma rápida e violenta ignição, transmitindo o crispante bailado das labaredas, ao madeirame dos improvisados palanques. 

Subitamente, a tremenda trovoada extinguiu-se como por encanto.

O povo, por momentos atónito e aparvalhado pelo insólito da situação, ficou mudo e estarrecido, mas logo se apercebeu da magnitude da situação. E rebentou em aplausos ao sentenciado, que a força do raio que matara o carrasco, atirara para a borda do cadafalso, donde o povo festivamente o ergueu em triunfo, passeando-o em procissão pelas tortuosas ruelas do burgo.

João Artur Mamede 

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CONSOADA

Nico era tudo menos consensual. Na pequena vila, os literatos consideravam-no a versão século XXI das personagens infantis que povoam as obras Dickens, os intelectuais de esquerda viam-no como um ser livre com uma filosofia de vida peculiar, os radicais reformistas identificavam um pequeno Zé do Telhado e o padre Vianna – pároco emérito – do alto dos seus 98 anos, afiançava que Nico era a encarnação do demo. Os vizinhos escorraçavam-no com ameaças de pau de marmeleiro, as assistentes sociais diziam-se de mãos e pés “amordaçados” e, por fim, a guarda registava as queixas e redigia os relatórios de ocorrência.

E os pais? Sim, os pais, porque a Nico faltava-lhe a orfandade para entrar nos livros de Dickens. Os pais de Nico, entre a apatia fruto da toxicodependência, e as ausências na cadeia ou em programas compulsivos de reabilitação, ignoravam por completo a delinquência crónica do filho.

Eu não quero fazer juízos de valor e como o meu papel é relatar objectivamente a Consoada 2019 de Nico, posso assegurar que o rapaz tem 10 anos − conforme atesta o maltratado cartão de cidadão − e que é demasiado baixo e magro para a idade.

Nos centros urbanos o Natal começa em Novembro, com o apelo agressivo ao consumo desenfreado, no entanto nos locais mais provincianos, as decorações natalícias vêem a luz do dia no dia 8 de Dezembro, quando o feriado religioso conjuga a disponibilidade com o sentimento espiritual para este tipo de tarefas. Temos de tudo nas ornamentações, desde as luzes led Ikea nas vivendas de fim-de-semana dos lisboetas iludidos com a ruralidade, até aos pendões com o menino Jesus Redentor do pessoal religioso. Nos quintais, varandas, pátios, jardins e janelas competem bonecos de neve, meias nórdicas, luzes fundidas, presépios e desbotados pais natais trepadores. São precisamente estes últimos que estão na origem de uma ideia fabulástica na cabeça criativa de Nico.

Aqui, a tradição dita que a opípara ceia tenha lugar depois da inevitável missa do galo. Quase todos rumam à igreja matriz, em casa só ficam os artríticos crónicos e alguns forasteiros lisboetas. As mesas ficam aprontadas, os fritos e doces tradicionais ordenam-se sobre o aparador e os pratos quentes ficam resguardados no quente.

Nico engendra um esquema infalível. Escolhe as casas mais abastadas com varanda e surripia um fato e um saco de pai natal. Durante a ausência religiosa dos proprietários, o plano é entrar pelas varandas – a abertura de portas não tem espinhas para Nico – e encher o saco com tudo que lhe dê uma ceia de natal à maneira. O fato de pai natal é o disfarce ideal: Nico fica a salvo, não só da coscuvilhice de vizinhos impossibilitados de ir à missa, mas também do olhar de algum lisboeta serôdio. Dia 24 de Dezembro – meia noite, com a escada de alumínio atracada no braço direito, Nico dá início à operação Pai Natal. A primeira casa a atacar é a dos Custódios. Está frio, o delgado fato de papel tecido foi vestido sobre o blusão fica-lhe apertado e tolhe-lhe os movimentos. Nico pousa a escada, encosta-a à varanda e inicia a subida. Depois, num ápice, a escada foge lhe dos pés e cai em câmara lenta sobre a relva reluzente da geada. O cinto prende se nos arabescos de ferro forjado da guarda da varanda, deixando o rapaz dependurado. Nico evita a queda, mas enfrenta uma penosa imobilização forçada. Do mal o menos, dali a uma horita teria de render-se aos donos e assumir o erro.

Pena é que Nico desconheça que neste Natal os Custódios tenham decido celebrar a Consoada e o dia da Natal com a afilhada, em tempos emigrada na Suíça, e a habitar agora na vivenda mais moderna da vila − um mimo da arquitectura com um telhado de inspiração nórdica.

 

Detective Jeremias

 




 

»»» NA PRÓXIMA EDIÇÃO, 6 de Julho de 2025, iniciaremos a divulgação dos CONTOS do Borda d`Água do ano de 2020. 

 


 

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📑 BOAS Leituras!

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