🧐 🕵️ Primórdios da Problemística Policiária Portuguesa...👣👣 🔍
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PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA POLICIÁRIA PORTUGUESA
(CONTINUAÇÃO)
CICLO REINALDO FERREIRA – “REPÓRTER X”
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“OS 50 CONTOS MISTERIOSOS”
N.º 29 – A PRINCEZA TRISTE
Havia em Teheran, num palacete onde os mármores pintalgavam paletes fantásticas, uma princeza triste.
Princeza triste, porquê?
Porque, de todas as princezas da Pérsia, era ela a única que conhecia o mundo. As outras nasciam dentro dos harens dos pais, convencidas que o mundo acabava onde acabava o horizonte alcançado pelos seus olhos. E passavam do haren do pai – para o haren do marido. Eram mulheres cuja alma crescia no ataúde que devia levá-las à eternidade.
Mas aquela princeza triste revoltava-se contra a própria resignação das suas avós. Um dos irmãos do pai – perfeito de Zuari - tinha ido a Paris e de Paris trouxera uma “troupe” suspeita de amigos (suspeita, frente à critica da aristocracia persa).
Mas o que perturbava aquela placida sonolência da princeza - não fôra a presença de homens de um continente desconhecido para ela - de homens que lhe representavam um novo planeta: eram os livros, os livros que ensinavam a cada ente viver, como planeara a sua vida, desde que não prejudicassem também o próximo no seu legítimo direito de viver.
E a princeza viu que havia felicidades dentro da moral e da convenção, para além de todas as prisões a que sujeitavam a sua alma. E a princeza triste viu que podia ser ditosa, amando um só homem, para todo o sempre, sem trair a sua consciência e sem a ignominia do haren.
Impuzeram-lhe esposos – esposos já casados dezenas de vezes, e ela, sistematicamente, recusou-os a todos…
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A princeza triste foi amaldiçoada pela família. Encerraram-na numa torre de quarenta metros. A sua mocidade germinou-se em lágrimas, solidão e dôr, durante mezes, que eram longos como os oceanos que Teheran nunca tinha visto.
Na “troupe” de music-hall que o seu tio trouxera de Paris, como amostra de civilização, havia apenas três homens: Manuel, herculeo, levantador de pesos inverosímeis; Jean, o equilibrista que pedira à lua os segredos da magia - e António, o “homem dinamite”, que, expelido de uma caixa de molas, alcançava os trapézios mais longínquos da pista do circo.
A princeza assistira ao espectaculo…
Uma distracção dos “eunucos” – os homens de confiança de Zeuck, permitira que ela conversasse com os artistas da “troupe”. E a princeza triste recolhera à sua torre, a sua alta torre, como um fantasma se dilue na imensidade do espaço…
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No dia seguinte, a porta do quarto continuava fechada - mas a jaula doirada da princeza triste estava vazia… A princeza triste tinha sido agraciada com azas que Deus oferece aos escravos, para se livrarem do seu martírio…
Ninguem duvidou… A semente da rebeldia fôra lançada por um dos artistas da “troupe”. Qual? Qual deles?
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Raciocinem! Quem podia alcançar a torre da princeza?
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“OS 50 CONTOS MISTERIOSOS”
N.º 30 – A “FRAULEIN” DAS LOIRAS TRANÇAS
A noite não encharcara ainda, de negra tinta, a paisagem… O arvoredo do visinho bosque, recortava-se, na linha sinuosa das copas, no fundo aguado do ceu…
Tudo era silencio – no campo dos prisioneiros... Os apitos dos chefes da vigilância tinham obrigado a fecharem-se as portas dos barracões de madeira. Ao centro erguia-se a torre, no topo da qual, um sargento alemão, fixo, como um automato, perscrutava, com a agudeza optica dos felinos, a sombra que se adensava pouco a pouco. Em redor do campo, entre os parapeitos de madeira branca, eriçados de arame farpado – e as valas que isolavam o campo, as sentinelas, rítmicas, solenes, iguaes ás próprias espingardas, pisavam a relva, num vai-e-vem de pendulo. E nenhuma das sentinelas farejou a curta proximidade dos tres fugitivos…
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… Quando as portas se fecharam – já os da conjura se arrumavam sob os degraus de madeiras, suspensos com chavões de ferro ás paredes das barracas. O espaço existente entre o avesso dos degraus e a parede das barracas, onde eles se tinham acolhido, tinha a estreiteza de um ataúde. Uma boquilha no seu estojo estaria mais á vontade que os três prisioneiros…
Dois deles eram portuguezes: o tenente Caetano Nóbrega e o capitão-medico Luiz Taveira. O terceiro era belga: tenente Lucilien Brasseau.
O capitão-medico Taveira, homem arrancado a uma cómoda clínica de provincia para os azares aventurosos da guerra, era quasi obeso, loiro, um tudo nada germânico, da fácil conclusão com as gentes alemãs. A timidez que ele trouxera da sua aldeia, agravada com a fealdade do seu rosto de estrábico, tinham-lhe valido o apodo de «urso» desde a chegada á França.
O belga Lucilien, quarentão, neurasténico, antigo professor, tinha dois ódios a esguicharem de bílis o seu espírito: aos alemães e às mulheres. Puritano e solteiro por convicção, atribuía ás filhas de Eva todas as fatalidades da Humanidade, a começar pela própria Humanidade… Patriota e latino – viu nos alemães os algozes da pátria, o cilindro ameaçador da civilização – e acreditava em todas as lendas ou não de ferocidades atribuídas ao inimigo.
Dos três o mais novo era o tenente Nóbrega… Moreno, de olhos negros, olhos ibéricos, olhos de cigano, a barbicha do cativeiro cuidadosamente pontiaguda a dar-lhe o ar romântico de um príncipe misterioso – ele fôra o primeiro a conceber aquele plano de evasão. E os outros, o obeso Taveira e o carrancudo Lucilien, não hesitaram em correr, ao seu lado, os riscos da liberdade…
Conseguiram eles alcançar a fronteira holandeza?
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Súbito, uma nuvem veloz, abafou a lua… A negrura que sucedera ás claridades do ceu, parecia causada pelo brusco volteio de um contador electrico. E os três começaram rastejando pelo solo, em direcção á balustrada…
Mordendo os lábios, apagando quasi a respiração, esperaram que os dois sentinelas se defrontassem, no local onde eles se sumiam, quasi – e que, reviravolteando, se afastassem de novo… Depois, Lucilien cortou, rápido com a kruppesca tesoura com que se prevenira, os cordões de arame farpado… E de novo, acotovelando a relva, como índios, numa emboscada, foram até á vala e deixaram-se escorregar… E afundados na vala, ladearam o campo até topar com um acesso, íngreme, quasi, a pino, que se abria junto ao bosque…
O bosque era a primeira esperança, alcançada pela realidade… Só de manhã seria dado o alarme… Tinham, pois, umas oito horas de relativo socego… Mas para atingirem a fronteira, outra noite havia que viver, nas angustias da incerteza e do perigo…
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Durante uma semana uma emoção, mixto de entusiasmo e de terror, electrizou os nervos dos que tinham ficado no campo de concentração. Portuguezes e belgas, tinham-se despedido dos três camaradas, calando, no fundo d’alma, o pressentimento que a morte os aguardaria, a meio da proeza…
Era a primeira vez que gente sua intentava a evasão. E tanto conheciam a dureza da organisação alemã, a severidade da sua espionagem, a presteza com que a soldadesca disparava os seus fuzis – que não podiam esperar outra libertação, para os que fugiam, do que a suprema – a que liberta o homem para sempre de todas as prisões do globo…
Tinham assistido ao alarme dado, na manhã seguinte, pelos guardas… Tinham ouvido os rugidos de cólera do chefe do campo… Tinham visto partir, em todas as direcções, os sides levando os soldados na perseguição dos três oficiaes. E durante oito dias, redobradas as precauções, aos seus ouvidos só chegavam ameaças e blasfemias…
Depois, ninguém mais falara da evasão… Dir-se-hia que a tinham arquivado no esquecimento…
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No décimo primeiro dia, um sargento lusitano, antigo aluno de engenharia em Berlim, pôde escutar a conversa de dois oficiaes alemães…
Falavam da evasão dos dois portuguezes e do belga… Havia, nas palavras do inimigo, mixtos de cólera e de admiração… O que aqueles três oficiaes haviam feito para alcançar a fronteira!... Verdadeiros prodígios de natação, ao atravessarem os rios; prodígios de habilidade, para enganarem as populações das aldeias por onde passavam; prodígios de destreza acrobática para assaltarem comboios em marcha…
Mas apesar de toda essa energia e toda a bravura – um deles ficara gravemente ferido, em Baslinder; o outro caíra prisioneiro, a poucos quilómetros de Colónia; e dos três só um chegára á Holanda – e em graça a uma mulher… Fazendo-se passar por mudo, recolhera-se numa hospedagem, já a pouca distancia da fronteira… O hospedeiro tinha uma filha, de longas tranças loiras, como as de Kremilde e bela, como mimosa Deusa, se ás deusas fôsse permitido os tenros encantos da puberdade.
A visinhança suspeitára do fugitivo – e este, ao ver que se estreitavam os perigos á sua volta, tudo confessara á fraulein e, com taes artes e feitiços a encantara que ela se prestára a ajudá-lo na passagem da fronteira… E quando ambos se encontravam protegidos pelas azas enormes dos moinhos Holandeses – ela, a linda alemã que se perdera pelo amor – quizera que dessa perdição lhe viesse a ventura eterna… E já não se separaram mais…
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Eu conheci os quatro, em Março de 1925, no Hotel do Bussaco. O tenente Nóbrega, o capitão Taveira e o belga Lucilien tinham-se associado numa empreza industrial. Tinham querido que as suas fortunas corressem juntas, na paz, os riscos do negócio, como as suas vidas se tinham arriscado nas aventuras da guerra… E junto aos três, uma frágil alemã, ex-fraulein, unida para sempre, ao homem que salvara, escutava sorridente, a descrição que me faziam das proezas da fuga…
- Afinal… quem foi que conseguiu chegar á Holanda?
E a heroína fräu avermelhando mais ainda as pétalas do rosto, disse:
- Se os camaradas de meu marido não se ofenderem – dir-lhe-hei que entre os três fugitivos só um podia ter perturbado aos meus dezasseis anos… E esse é…
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Quem podia ter apaixonado a linda alemã até ao
extremo de a levar à libertação do oficial inimigo?
Qual dos três podia tê-la encantado?
Releiam as linhas em itálico... e encontrem as respostas
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Nota: Na transcricção destes dois contos/problemas foi mantida a grafia da época (1927).
DOMINGOS CABRAL DA SILVA
»»» Publica-se aos dias 15 e último de cada mês! «««
A NOVIDADE: DOIS CONTOS POR SECÇÃO!
É extraordinário que com estes Primórdios da Problemística Policiária Portuguesa , do Confrade Domingos Cabral , podemos recuar no tempo e voltar ao passado sem sair-mos do presente … !
ResponderEliminarVirmancaroli
Este magnífico trabalho do Domingos Cabral deve ser publicado em livro, para que fique para sempre. Seria interessante que algum confrade pudesse encontrar uma forma de publicação, repartindo os custos por quem quiser contribuir. Hoje há fórmulas disponíveis para quem tiver algum tempo e disposição para as encontrar.
ResponderEliminarFica este repto, com um enome abraço ao "nosso" Inspector Aranha.
Magnífico trabalho! Parabéns👏
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