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terça-feira, 15 de julho de 2025

👣 Primórdios da Problemística Policiária Portuguesa »»» PPPP »»» CORREIO POLICIAL - Domingos Cabral ☝ (Re)publicação -- "CORREIO POLICIAL" de: 11.JUN.2021

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 *** 39.ª Edição! 🧐 📖

 


PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA POLICIÁRIA PORTUGUESA

POR: DOMINGOS CABRAL

 

(CONTINUAÇÃO)

CICLO REINALDO FERREIRA – “REPÓRTER X” 


*  *  *  *  *

 

“OS 50 CONTOS MISTERIOSOS”

N.º 44 –  A VIRGEM DO MANTO AZUL

Coava-se, atravez  das persianas, uma luz suave e doce que vinha afagar carinhosamente o rosto pálido da doente. Em torno  do leito, encimado por um docel de veludo, três raparigas ouviam, singularmente comovidas, a narrativa da sua colega do colégio, narrativa interrompida, de quando em quando, por uns frouxos acessos de tosse-breve, seca, sacudida.

E era simples, afinal, aquela história que tanto impressionava a sensibilidade das três jovens! Um caso vulgar de amor, do amor que envolve, na sua teia entretecida pelos anjos, todo o coração que desabrocha aos primeiros alvores da mocidade.

Fransina, mignone, uns lindos olhos garços a despedirem folgôres, a doente ia dizendo num tom de voz caricioso:

 - Amei-o muito! Se vissem como era esbelto, como sabia domar o seu cavalo fogoso, quando, ao fim da tarde vinha passar sob a minha janela e estacava, de repente, sofreando os ímpetos do animal só para me fazer um cumprimento em regra!

Ah! Eu sentia bem que ele, o Alfredo, correspondia ao meu afecto!

Um dia, porém, esqueceu lamentavelmente quanto devia ao meu carinho, quanto devia à sua própria condição. Era o meu aniversário. Completava 18 anos e meu pai, que tinha por mim uma santa e terníssima afeição, presenteara-me com um lindo vestido azul – que já fazia o meu encanto na montra de Matos & Serpa Pinto.

Nessa mesma noite meu pai, que quiz ser gentil em extremo, deu um baile em minha honra. E que torturas passei, de quantos recursos me servi para o levar a convidar também o Alfredo!

Enfim, consegui realizar aquela, para mim, suprema aspiração.

Quando o meu noivo entrou na sala – que eu já o considerava meu noivo! – estava eu conversando com a Mariana, aquela interessante menina que dias antes chegára da Amadora.

Com o Alfredo vinham também os seus dilectos amigos Luiz, Reinaldo e Carlos; e todos eles, ao vêrem-me, tiveram palavras de caloroso entusiasmo para o meu vestido:

- Parece a Virgem das Dôres! disse o Reinaldo beijando-me as pontas dos dedos.

- É uma oleografia, uma deliciosa oleografia reproduzindo a mais deliciosa tela ingleza! acrescentou galanteador o Carlos.

- Só desejaria que a minha noiva tivesse os mesmos encantos! murmurou, ligeiramente despeitado, o Luiz.

Quanto ao Alfredo limitou-se a estender-me a sua mão enluvada, que mal apertou a minha.

Estranhei-o. E essa estranheza persistiu durante a noite, porque teimava em se afastar de mim, apenas me tirando uma só vez para dançar.

Só o Luiz foi gentil, aproveitando todos os momentos para entabular conversa e para me repetir que desejaria assim galante a sua noiva! Essa insistência, tornou-se-me até certo ponto, suspeita. Havia nas suas palavras um certo azedume que eu não sabia defenir; de resto, a noiva de Luiz era uma linda rapariga, filha dum coronel reformado e que passava justamente por ser o que se chama um coração d’ouro.

O baile decorria animado incidindo sobre mim, naturalmente, todas as atenções.

Pelas três horas da manhã foi servida a ceia. Passamos para a sala próxima, ficando junto de mim o Alfredo, o Luiz e os seus dois amigos.

O Alfredo apenas trocou comigo duas palavras, durante a ceia. E essas foram de recriminação… pelo meu vestido azul!

Percebi que tinha ciúmes… do pobre vestido, que merecera a admiração de todos. Então quis tranquilisá-lo:

- Descança. Vou oferecê-lo á Virgem. Ela fará um manto, um lindo manto azul que há-de cobri-la em festas de gala.

Descança!

Nesse momento, porém, a luz profusa da sala extinguiu-se subitamente. Uma avaria mais!

Pediram-se velas. Quando emfim a sala se iluminou de novo, reparei que o meu vestido tinha uma mancha enorme, de vinho do Porto, que alastrava assustadoramente!

Terminara a ceia. O Alfredo, o Luiz, o Reinaldo e o Carlos afastaram-se para o salão de baile. Apenas os dois últimos lamentaram o incidente.

Fiquei impressionadíssima. Pois quê? O Alfredo tivera coragem de se vingar assim? Como poderia eu, agora, oferecer o vestido para um manto da Virgem!

Não. Nunca mais lhe falo! Mentiu, mentiu naquela carta que no dia seguinte me enviou a protestar-me a sua inocência. Foi ele que manchou o meu vestido.

- Enganas-te! Disse então uma das amigas que ouvia atenta e comovidamente a narrativa ingénua. Não deves lançar as culpas ao teu noivo. Pensando bem, o único dos quatro amigos que podia ter manchado o vestido era…

Quem manchou o vestido azul foi…

*  *  *  *  *

NOTA: Foi mantida a grafia da época (1927)

 

*  *  *  *  *

 


 

GENTIL MARQUES FALANDO

DE REINALDO FERREIRA

 

”RAZÕES QUE A RAZÃO NÃO ENTENDE”

 

”Já se tornou tradicional, por assim dizer, esta frase poética (e profética) de Fernando Pessoa, que se ajusta perfeitamente (adequadamente) ao caso dele próprio - e, entre muitos outros, também ao caso de Reinaldo Ferreira, o "Repórter X”.

Comecemos por este último - tanto mais que se trata de uma evocação comemorativa do 44.° aniversário da sua desencarnação da vida terrena, acontecida precisamente em 4 de Outubro de 1935.

Quem foi Reinaldo Ferreira?

Bem gostaria de escrever o estudo que a sua memória merece e que (incompreensivelmente) ainda não foi feito (pelo menos, ainda não publicado).

Mas o espaço desta crónica é espantosamente curto para tal efeito - e, assim, embora o tenha conhecido (e mesmo convivido com ele, nos últimos meses de vida, no seu reduto do Café "Chave d'Ouro"- como aliás já referi na crónica anterior) prefiro dar aqui o seu retrato e a sua biografia, em síntese, através dos depoimentos aqueles que o conheceram melhor do que eu.

E um deles foi, sem dúvida o seu grande companheiro de sonhos, Mário Domingues, cuja ausência pesa já também na minha saudade.

Pois Mário Domingues descreve-o assim, no primeiro encontro que teve com o jovem Reinaldo - eram ambos então alunos do "Colégio Francês".

Reinaldo de Azevedo e Silva Ferreira... o Reinaldo... “um garotelho de olhos azuis, face redonda e sorridente, grande colarinho à mamã, de sob o qual pendia um laçarote vistoso, enorme”.

E ficámos a saber também como ele se mostrava frágil e doente, na sua infância:  

"O pobre Reinaldo ia e vinha da escola, acompanhado sempre pela mãe, que nunca o abandonava, a mãe que estudava as lições para lhas explicar e, se o temporal rugia, se apresentava no átrio do colégio, à tarde, com um volumoso embrulho de galochas e "cache-cols" de lã, a fim de o "empacotar" de forma que nem a humidade agravasse a bronquite nem a chuva lhe provocasse a asma de que sofria horrivelmente".

Aliás, Mário Domingues deixou-nos esta imagem expressiva do jovenzito Reinaldo de Azevedo e Silva Ferreira:

"... franzino, débil, era um foco de doenças que a mais ligeira ponta de ar prostrava ao leito, a arder em febre e embrulhado em lãs:

Quis o destino - o que é o destino senão a vontade de Deus? - que eu tivesse frequentado também,  muitos anos depois, o velho "Colégio Francês", então já transformado em "Colégio Académico" - como hoje, aliás, ainda se intitula, através de todas as renovações que o têm modernizado.

Foi aí que tirei o meu sétimo ano (tirara os outros seis no Liceu Nacional João de Deus, em Faro) e tive por companheiros de turma dois extraordinários estudantes que muito viriam a dar que faiar. Um chamava-se Jorge Pereira Jardim, e já tinha a paixão pelo escutismo e pela aventura. O outro, António Champalimaud - já era perito em exercícios de matemática.

Pois, agora, lembrando-me desse Passado já tão distante e ainda tão recente - pergunto-me a mim próprio: porque não fazer um levantamento dos tempos do Reinaldo Ferreira e do Mário Domingues no velho, velhinho, velhíssimo "Colégio Francês", em 1911, dirigido então pelo Sr. Alfredo da Costa e Silva, "pequenino, nervoso, narinas sempre frementes de uma impaciência inexplicável"?

Muita coisa, decerto, teríamos que aprender (e que aprender!) acerca da génese da carreira destes dois consagrados vultos das letras portuguesas.

Mas, enfim, enquanto esperamos que alguém realize "o milagre" - voltemos ao Reinaldo Ferreira, visto pelos outros que conviveram de perto com ele...

Adelino Mendes - nome grande do nosso jornalismo, desenhou-o deste modo, na altura da sua entrada para a redacção de "A Capital", levado pela mão do Mestre Jornalista Hermano Neves (pai do Dr. Mário Neves, antigo Embaixador de Portugal em Moscovo e actual Secretário de Estado da Emigração).

"Um moço franzino, irrequieto, vivíssimo, com uns olhos muito azuis a irradiar chispas de inteligência, uma cabeleira quase ruiva, em riste...!”

E, mais adiante, no seu depoimento inesquecível, Adelino Mendes comentava, com a autoridade que tinha e todos lhe reconheciam: "Ele foi um Mestre tão original e tão fecundo que se tivesse vivido noutras latitudes, bem pode ser que lhe houvessem saído a fortuna e a glória de um Wallace ou de Leblanc".

E outro querido e saudoso amigo, Ferreira de Castro, também corroborou na mesma ideia - ele que o conheceu bem na intimidade:

"Foi a vida de Reinaldo uma das mais trágicas e das mais belas e, sem dúvida, a mais rocambolesca e agitada das que têm existido no jornalismo português."

E acrescentava, com a grande força da Verdade: "Poucos no Mundo terão escrito tanto, se alguém escreveu nas condições precárias, na confusão, no tumulto, no movimento em que Reinaldo escrevia..."

E, mais adiante, acentuando bem, sublinhava: "Na própria odisseia dos seus últimos anos, nas constantes estadias que era obrigado a fazer nos paraísos artificiais, havia algo dessa fatalidade romântica, dessa beleza negra, que marcava, como um signo de arte, os boémios, os poetas, os visionários de outrora".

Eis um dos pontos onde eu pretendia chegar com esta simples croniqueta: a estranha (e bizarra) contradição que a própria Vida nos oferece. Por exemplo - este moço extraordinário, chamado Reinaldo Ferreira, fadado desde o início, segundo parecia, para uma carreira triunfal e que, apesar disso, foi arrebatado brutalmente à vida terrena pela necessidade indispensável dos paraísos artificiais...

De facto, "razões que a razão não entende.” Mas, por falta de espaço, a isso terei de voltar, se me permitem, ainda na próxima crónica de "DOMINGO".

(Texto de 1979)

(Continua)

 

 


DOMINGOS CABRAL DA SILVA

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