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segunda-feira, 15 de setembro de 2025

👣 Primórdios da Problemística Policiária Portuguesa »»» PPPP »»» CORREIO POLICIAL - Domingos Cabral ☝ (Re)publicação -- "CORREIO POLICIAL" de: 09.JUL.2021

🧐 🕵️ Primórdios da Problemística Policiária Portuguesa...👣👣 🔍

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 *** 43.ª Edição! 🧐 📖

 


PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA POLICIÁRIA PORTUGUESA

POR: DOMINGOS CABRAL

 

(CONTINUAÇÃO)

CICLO REINALDO FERREIRA – “REPÓRTER X” 


*  *  *  *  *

 

“OS 50 CONTOS MISTERIOSOS”

N.º 49 –  O SEGURO DE 400.000$00

 

       Nos princípios do ano da graça de 1919, Portugal sofreu a invasão subtil das gentes cosmopolitas – peças soltas e desaparafusadas pela guerra aos engenhos da Grande Existência e da Grande Aventura e que, girando pelos ares, se espalharam pelo mundo. Surgiram então russos, alemães, franceses, turcos, búlgaros, húngaros, egípcios, com passaportes mais ou menos falsificados; com nacionalidades mascaradas; e com projectos suntuosos de emprezas comerciais que deviam rasgar, no céu, as nuvens prenhes de oiro.

        A historia a que nos vamos referir desenrolou o seu primeiro episodio nesse pitoresco ano… Uma tarde, na Companhia de Seguros “Garantia”, aparecia um cavalheiro, que novo devia ser, embora o seu aspecto, de gasto, pudesse parecer envelhecido. Embranquecido, com uma precoce calvice a desenhar-lhe meia lua, olheiras enormes, olhos que deviam ser brilhantes mas que as pálpebras, cançadas, semi-velavam. Contudo, adivinhava-se ainda nele uma juventude de apolonia beleza.

        Vestia com sóbrio rigor dum banqueiro londrino. Nos dedos refulgiam anéis de preço…

        - O que queria – perguntaram-lhe. Viera atraído pela boa fama da Companhia fazer o seu seguro de vida – um seguro no valor de quatrocentos mil escudos em favor de sua sobrinha… O seu nome? Amleto Condi… Nacionalidade? Italiana… Estado? Solteiro. Profissão? Comerciante... Residência? Portugal, desde principio da guerra… Morada? Um palacete na Avenida da Boavista… Idade? Quarenta e nove anos.

        Acharam-no, apesar de tudo… beneficiado, na aparencia, á idade declarada…

        Hesitaram - e perguntaram-lhe o nome da sobrinha para quem era feito o seguro: Tina Condi.

        Vieram os documentos. Os informadores da Companhia certificaram-se que, de facto, num palacete da Avenida da Boavista vivia o comerciante italiano Amleto Condi, com credito na praça e tido por boa pessoa…

        Os médicos auscultaram-no; apalparam-no; transparentaram-no… Um organismo um pouco fatigado – mas sem molestias ameaçadoras. Foi-lhe concedido o seguro – e no momento da assinatura os empregados da “Garantia” notaram que Amleto Condi, canhoto extravagante, rabiscava o seu nome entalando a caneta entre o dedo mínimo e o anelar da mão esquerda…      

                                               *

        Dois anos depois todos os jornaes do Porto anunciavam a morte do comerciante Amleto Condi… Houve um momento de surpreza! De que morrera o italiano? Os médicos que tinham assistido aos seus ultimos momentos afirmavam que ele fôra fulminado por uma adiantadíssima lesão cardíaca.

        Três dias depois apresentou-se na Companhia a sobrinha de Amleto Condi… Era jovem, esbelta, elegante e a negrura do luto realçava  o oiro vivo da sua cabeleira veneziana.

        Apresentou documentos - e a Companhia pagou, sem hesitar, os quatrocentos mil escudos do seguro. No momento de assinar o recibo, a Signorina Tina Condi entalou a caneta entre o dedo mínimo e o anelar da mão esquerda - e assim rabiscou o seu nome…

                                               *

        A direcção da Companhia extranhou aquela velha doença que fulminara o segurado e que não constava no exame médico…

        Chamou um “detective” para tactear aquele mistério. Chamados os clínicos – tres eram os que tinham observado o italiano – todos garantiram que o coração do Amleto era sólido e regular como um bom relógio… O “detective” entrevistou depois os assistentes que tinham acompanhado o comerciante nos últimos dias da crise. Juraram sobre a sua honra que o Amleto tinha falecido victimado por uma adiantadíssima lesão cardíaca que lhe esfrangalhara o coração. E fez-se mais: Desenterrou-se o cadáver; fez-se a autopsia… Os médicos não tinham mentido…

        Naquela tarde, o “detective” deu conta das suas averiguações ao director da Companhia.

        - Nesse caso – exclamou este – o engano parte dos nossos médicos.

        - De fórma alguma. Estou convencido que uns e outros - os que o examinaram e os que lhe assistiram na morte não se equivocaram…

        - Mas isso é inverosímil…

        Riu-se o “detective” e explicou:

        - Não tanto como parece… A “escroquerie” de que a Companhia foi vítima não é nova… Existem especialistas de “seguros” como há falsificadores ou arrombadores de cofres… O “escroc” que fez o seguro sabia da existência, nesta cidade, de um italiano chamado Amieto Condi, doentíssimo, á beira da morte, que pouco saía de casa… Apresentou-se em seu nome, com falsos documentos… Examinaram-no; deram-no por capaz; assinou o seguro - e esperou que o segurado morresse… E morto o verdadeiro, ei-lo de posse dos quatrocentos mil escudos…

        - Nesse caso, a sobrinha, a Signorina Tina Condi…

        - Não é difícil adivinhar quem é. Bastou para isso interrogar o empregado que fez o seguro do falso tio e que entregou o dinheiro á falsa sobrinha… Signorina Tina Condi é…

 

Pergunta no boletim:

Tina era….

        

*  *  *  *  *

NOTA: Foi mantida a grafia da época (1927)

 

*  *  *  *  *

 


 

“OS 50 CONTOS MISTERIOSOS”

N.º 50 –  A CARTA DE LUIZ XVI

 

        Noite tempestuosa. Ouvia-se a sinfonia do vento, lá fóra. Sinfonia desesperada que arrancava sons dos mais estranhos instrumentos: os fios telefónicos, os beiraes dos telhados, os galhos das arvores!

Pairava um tempo infernal, que punha em grande pavor quantos, áquela hora tardia, se aventuravam pelas ruas do velho burgo portuense.

De longe em longe, o clarão fugaz dum relâmpago, abria sulcos na cerrada treva dos espaços. Tamborilavam sinistramente, nas vidraças as saraivadas fustigantes, que se amontoavam em camadas sucessivas sobre os peitoris.

Acabara o serviço na redacção e bordavam-se considerações sobre o ultimo telegrama de Nankin que um boletineiro, encharcado até á medula, viera trazer-nos solicitamente. A conversa derivou depois do Extremo Oriente para o Extremo Ocidente. Esmiuçou-se a espécie humana e percorreu-se a escala zoológica. Mares, ventos, tempestades, vulcões, todo o redemoinho espantoso da natureza veio ali á supuração, naquela floresta barulhenta que só tinha, afinal, o vulgar intuito de matar o tempo! Era preciso esperar que se acalmasse a fúria do vendaval!

        - Foi numa noite assim que eu fiz a travessia da Mancha! – disse subitamente o Repórter X. E que formidável espectáculo! Mas não é de uma pavorosa noite que a minha imaginação se enche…

- Temos mistério? – inquirimos.

Já nos agrupávamos todos á volta do camarada, em natural ansiedade. Que deitasse ele, para ali, quanto a memoria lhe espevitasse!

- Esperem! Deixem-me atulhar este cachimbo…

E saboreando, ao cabo, uma longa fumaça do «Three Castles», piscou os olhitos azues, pigarreou, sacudiu num piparote um fiosito de tabaco e disse, mordendo de quando em quando a resistencia dos «three».  

- Um lindo barco, aquele em que nos transportávamos de Calais para Dovert! Houvera conveniência em fazer a viagem de madrugada. De resto, ninguém imaginava que a tempestade viesse surpreender-nos naquele trajecto, relativamente curto.

Aí pelas três horas da manhã o vendaval pareceu redobrar de fúria. Eu tinha-me recolhido na cabine e espreitava de espaço a espaço, entreabrindo a porta: sentia um prazer estranho em ver aquelas densas cordas de água varrendo o convés.

Ora num dos momentos em que a curiosidade me solicitou divisei, com grande espanto, um vulto esguio de homem debruçado sobre a amurada, insensível aos balanços do vapor e absolutamente indiferente á chuva que o fustigava.

Vi ou presumi que uma vaga, traiçoeira, podia arrastá-lo. Escancarei a porta da cabine e precipitei-me, dum salto, para o insensato; depois, segurando-lhe num braço trouxe-o até ao meu pequeno compartimento.

Era um individuo já de idade, correctamente vestido e aparentando mesmo certa distinção. Estava em cabelo e naturalmente, molhado dos pés á cabeça.

Observei-lhe, brandamente, que era grande imprudência aventurar-se ao lance em que eu o vira. Em seguida obriguei-o, com os melhores modos que pude, a substituir o seu fato, encharcado, por outro meu.

Passaram-se alguns minutos. Por fim, sentou-se e, fitando nos meus os seus olhos amortecidos, disse-me:

- Obrigado por tudo. Não sou um doido, como poderá ter imaginado: sou simplesmente um pae, ralado de desgostos!...

E após uma breve pausa continuou:

- «O senhor inspira-me confiança. Vou dizer-lhe, em meia dúzia de palavras, a causa do meu desvario de há pouco… a causa do meu sofrimento!

«Vivo em Paris na companhia dum filho que há dois anos tirou o seu curso de engenheiro. Gastão – que assim se chama – tem dois amigos que frequentes vezes convida para jantar em minha casa. Um deles, o Leopoldo, é um apaixonado coleccionador de autógrafos celebres. Génio concentrado, não disfruta de grandes simpatias, havendo quem o acuse de pouco escrupuloso. Entretanto devo confessar que o considerei sempre um rapaz correcto.

«Quanto ao outro amigo do meu filho, o Rogério, é o que bem póde chamar-se um estoura-vergas. Passa as tardes a fazer namoro ás meninas do bairro e reserva as noites para os clubs para onde arrasta, de quando em vez, o meu Gastão. Não lhe conheço outros defeitos e sei que é generoso; devo, porém, dizer que não me agrada aquela mania de frequentar clubs.

«Mas vamos ao caso principal:

Eu possuo, herdada já de meus avós, uma carta escrita por Luiz XVI a Maria Antonieta, poucos dias antes de subir ao cadafalso. É um precioso autografo que vale cinco ou seis mil francos, mas que eu não vendia por dinheiro algum. Isso mesmo sabia meu filho e os seus amigos, um deles o Leopoldo, tres vezes me falou, mesmo, em adquiri-lo pelo dobro do seu valor. 

Escusado, porém, é repetir-lhe que recusei sempre desfazer-me da preciosíssima herança.

        «Ora ontem, por volta das 10 horas da noite, estávamos nós a tomar chá, em minha casa, quando meu filho, sem reservas deante dos seus dois amigos, me pediu quatro mil francos! Perdêra essa quantia ao “bakará” e precisava de a satisfazer. Observei-lhe, surpreendido, que não dispunha de tal importância!”

“Meu filho insistiu: e insistiu tanto que chegou a propor-me que vendesse a carta de Luiz XVI, a carta que era para mim como que uma relíquia de família!”

“Indignei-me. Escuso de dizer-lhe que já não acabei de tomar o chá. Meu filho levantou-se e, sem se despedir, saiu com o Rogério. Desabafei a minha indignação com o outro, com o Leopoldo, que me suportou ainda durante um quarto de hora.

«Quando fiquei só, quiz mergulhar os olhos, uma vez mais, na letra tremula de Luiz XVI. Eu havia deixado a carta na gaveta do contador, que estava entre-aberta.

«Dei um grito, um grito espantoso! Essa carta desaparecera!

«Imagine o meu desgosto. Fora sem duvida meu filho! Pouco depois saí de casa. Dirigi-me a Calaiá, tomei este vapor e vou até Dover. Tenho febre…

«Oh! Eu não merecia tão cruel castigo da Providencia…

Calou-se. Deixei-o uns momentos entregue á sua dôr. Depois, armei em cruel e disse-lhe:

- A Providencia fez bem em castigá-lo.

- Que diz o senhor?...

        - A verdade: não tinha o direito de duvidar de seu filho! O ladrão da carta foi…

*  *  * 

O companheiro X terminára a narrativa. Passara, também, a tormenta neste lindo céu de Portugal, ou antes, nesta nesga celeste que cobre o velho burgo portuense.

        - E se nós fossemos cear! Disse ao camarada Américo.

- Pois seja – respondeu o Reinaldo. Sou eu que pago!... Ou antes… é o Agostinho!

E explicou:

Terminei os contos misteriosos. Estou livre… como a seta que sibila no ar!...

 

*  *  *  *  *

 

(Fim do Ciclo Reinaldo Ferreira – “Repórter X”)

 

 

DOMINGOS CABRAL DA SILVA

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