🧐 🕵️ Primórdios da Problemística Policiária Portuguesa...👣👣 🔍
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PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA POLICIÁRIA PORTUGUESA
(CONTINUAÇÃO)
CICLO REINALDO FERREIRA – “REPÓRTER X”
* * * * *
“OS 50 CONTOS MISTERIOSOS” N.º 28
O ASSASSINO DE CÊRAFoi logo após a guerra.
O serviço ferroviário em França mantinha a irregularidade de horários daqueles trágicos dias.
Eu ia para Paris, em serviço de reportagem. O pseudo rápido que nos conduzia e que levara oito horas de Hendaya a Bordeus, em Bordeus ficára, fungando pela dilatada narina da chaminé, como um animal esfalfado.
Não havia outro remédio! Era preciso passar a noite em Bordeus e esperar pelo dia seguinte.
Eu e os meus companheiros de viajem
– D. Pépe Lamár, empresário espanhol, e sua filha, a nervosa e palradora senhorita Concepcion - dificilmente encontrámos guarida nos hotéis de Bourdeux. Pagámos a peso de ouro umas mansardas perto da «Independance.»
Após o jantar pavoneamo-nos um pouco pela cidade, que surgia, vistosa e provinciana, do pesadelo da guerra. E andando sem rumo topámos com a caravana acampada de uma feira, em preparativos para a inauguração no próximo domingo.
Distraiu-nos a actividade dos saltimbancos, engrinaldando as fachadas ou montando o puzzle das barracas, apenas iluminadas pela luz fumarenta do acetilene. Os hércules, os clowns, os fenómenos, as dançarinas árabes – desprovidas das lantejouladas tarlatanas do espectáculo, cheiravam a miséria e a desgraça.
Mas D. Pépe arregalou logo os olhos bogalhudos:
- Já uma vez - disse-me ele - ganhei uma pequena fortuna com um prestidigitador que descobri numa troupe de vagabundos…
Começamos então a passar revista às barracas forradas com berrantes cartazes. Houve duas que nos chamaram particularmente a atenção:0 uma, acanhada e modesta, estava encabeçada pelo letreiro: Dumec, filho, o rei dos transformistas…”; na outra, que era a mais ampla de todas, lia-se a seguinte taboleta: «Museu dos grandes crimes. – A mais perfeita colecção de bonecos de cêra. – Propriedade de Dumec, pai».
A señorita Concepcion exigiu que começássemos a visita pelo Museu de “los muñecos”. Parecia uma petiza, batendo as palmas e atroando os ares com a sua voz ruidosa. O pai tentou a recusa:
- Como queres tu entrar – se a barraca ainda não funciona? Não vês que está o guichet fechado?
Mas ela insistiu. Para que servia ter um papá emprezário senão para conhecer antecipadamente todos os espectáculos?
D. Pépe cedeu. Havia uma cortina de desbotado veludo vermelho… Afastou-a com a bengala; entrou: e nós seguimo-lo.
Estávamos num hall. Do hall irradiavam três corredores: um, para a direita; outro, para a esquerda; e o terceiro, para o fundo. Este último, bifurcava-se, no terminus, em novos corredores, que se prolongavam para alem da nossa vista.
Toda a barraca estava marginada de vitrines. Dentro das vitrines havia grupos de bonecos de cera, grosseiramente modelados reconstituindo os crimes mais gran-guignolescos dos últimos anos. Dependuradas no tecto, quatro lanternas espalhavam uma vaga claridade amarelenta, tornando mais sinistros os monstros da colecção.
Íamos a avançar, mas a presença de um cavalheiro calvo e barbudo lembrou a D. Pépe que seria mais prudente pedir autorização para a visita.
- O senhor pertence ao museu? - indagou.
- Não… Sou apenas agente de polícia encarregado de inspeccionar as barracas antes da inauguração da feira. O proprietário, sr. Dumec, está com o filho - o transformista da barraca ao lado - e com dois operários acabando a montagem de umas vitrines. Aguardo-os aqui, para começar o meu trabalho…
Enquanto o solene agente conversava com D. Pépe, a señorita Concepcion, impaciente por conhecer os segredos do Museu, avançara pelo corredor central e metendo-se por uma das bifurcações, saíra do alcance do nosso olhar. Tínhamos suspendido a nossa palestra quando, no silêncio da barraca, guinchou um grito de morte. E o agente, dignando sorrir-se, quis acalmar-nos, dizendo:
- Devem ser as catatuas adestradas do circo…
- Qual catatua «ni que cuentos! – exclamou D. Pépe. É a voz da minha filha…
Correu pelo corredor central e eu que lhe ia na peugada.
A señorita Concepcion veio ao nosso encontro, pálida e de olhos esgazeados:
- Que foi isso “niña”?
E ela explicou:
- Lá ao fundo há um grupo horrível… Um homem vestido de negro, empunhando uma navalha; caída a seus pés está a vítima, golfando sangue… É uma velhota - e no seu rosto mistura-se o horror com as ancias da agonia…
D. Pépe sorriu-se e lembrou-lhe:
- Eu bem te dizia, Concepcion. Os, teus nervos não foram feitos para estes espectáculos. Qualquer boneco de cêra te amedronta…
- Deixe-me acabar, papá – e já vai ver que o meu susto é justificado… Quando eu me aproximei do grupo, o «homem de negro» ocultou o rosto.
* * *
D. Pépe e eu entreolhamo-nos – e não acreditamos na veracidade do episodio. Mas pelo sim, pelo não, acompanhamos Concepcion ao nicho onde ela descobrira o sinistro grupo. E mal ele nos surgiu, na curva do corredor, D. Pepe troçou da filha:
- Pobre louquinha… Vês que são bonecos de cêra?
Mas não concluiu a frase. Pelo soalho alastrava-se uma poça de sangue.
* * *
Se um de nós dois estivesse sozinho, não temendo o testemunho do outro – teria fugido. O sangue transformara-se em gelo, dentro das veias…
Abeiramo-nos do corpo da velha, que sangrava ainda… Não pudemos duvidar… Era um cadáver… Mas ao seu lado, imóvel, firme, empunhando a navalha - continuava o “homem de negro”…
Uma convulsão, quasi epiléptica, atacara D. Pépe.
- Bandido!!! Assassino!!! Matás-te a pobre velha e queres fingir ainda que és boneco de cêra?
E numa fúria ergueu a bengala e vibrou-lhe uma pancada que seria capaz de abater um touro… E a cabeça do “homem negro”, decepada do corpo, rolou pelo soalho…
O «criminoso» era, de facto, um boneco de cêra?
* * *
Então sim… O mesmo terror, injectado pela incompreensão daquele macabro mistério, nos levou, em covarde correria, até ao hall, onde o agente da polícia continuava a fazer “pendant” aos monstros da exposição. A primeira pergunta que lhe dirigimos, foi se alguém saíra, entretanto do museu:
- Não arredei pé daqui – respondeu agreste: - e não vi sair ninguem…
- Nesse caso o assassino ainda cá está dentro!
Trilou um apito… e segundos depois acudiam, de vários pontos do museu, Mr. Dumec, pai - um velho, pálido e calvo… e Mr. Dumec, filho, um jovem forte e corado; e os dois operários. Mr. Dumec pai vestia um fato de bombozine azul; o filho, um fraque amarelo; um dos companheiros vinha em “jat” branco; o outro, estava já arranjado para sair – com um traje vulgar, de tecido castanho…
Explicou-se-lhes o que sucedera. Vieram varios agentes que ficaram de guarda ao museu. Voltamos ao local do crime… E ao verem o cadáver da velha, os dois Dumec ajoelharam-se e bradaram ruidosamente a sua dôr…
A vítima era a esposa do sr. Dumec pai, director do museu – madrasta do sr. Dumec, filho, o transformista do lado.
* * *
Passada uma minuciosa busca ao museu, agitados os bonecos – não fosse o caso de algum deles ser de carne em vez de cêra – chegou-se á conclusão que o assassino de Madame Dumec estava ainda dentro da barraca; e que portanto devia ser um daqueles quatro… Então o agente, puxando pela barbicha grisalha, tomou ares sherlockholmescos e perguntou à señorita Concepcion:
- O assassino estava vestido de negro, não é verdade?
- Sim… Completamente de negro…
- Quanto tempo podia ter decorrido entre a sua descoberta e o meu alarme?
- Alguns segundos apenas !
- Pois bem… O assassino de Madame Dumec foi…
* * * * *
Quem podia ter assassinado Madame Dumec?
Releiam as linhas em itálico e encham o coupon.
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NOTA: Foi mantida, na transcrição, a grafia da época (1927)
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CAPAS DE PUBLICAÇÕES DE REINALDO FERREIRA, EXTRAÍDAS, COM A DEVIDA VÉNIA, DO LIVRO “O PORTO DO REPÓRTER X”, DE JOEL LIMA
DOMINGOS CABRAL DA SILVA
»»» Publica-se aos dias 15 e último de cada mês! «««
EXCEPCIONALMENTE:
Esta 30.ª Edição foi divulgada no primeiro dia de Março de 2025... em vez da data prevista: 28 de Fevereiro de 2025. As nossas desculpas aos Leitores!
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