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NOVEMBRO PELOS SANTOS, NEVE NOS CAMPOS
Como lhe era habitual, Carolina falava com os seus botões…
“Tenho a certeza que era ele! Mais ninguém podia andar ali pelo bosque ontem, àquela hora! Vi-lhe bem o chapéu por cima dos arbustos! A espreitar-me enquanto fazia uma necessidade…”
“O raio do homem tem uma fixação em mim! Cada vez que me vê não tira os olhos de cima de mim! Até parece que me está a despir com a vista!...”
Carolina odiava o tio Rodolfo. Há muito que estava convencida que o que ele queria era violá-la, assim a apanhasse na altura apropriada. Mas ela era esperta, evitava sempre estar sozinha com ele, fosse onde fosse. Sobretudo em casa.
Aquele dia, em especial, era perigoso, pensou ela. Em casa estavam só os dois, mais a cozinheira. Surda como era, nunca daria por nada. Todos os outros tinham ido à vila, apesar do tempo horrível que fazia, só mesmo aqueles malucos! Lá fora estava um frio terrível, neve a cair forte, um vento cortante e impiedoso.
Sentiu uns passos pesados a aproximarem-se da porta da copa.
“Só pode ser ele!”, pensou. Apressadamente, saiu da copa para a sala.
“Que frio! O melhor é espevitar a lareira!”
Sentou-se sobre os calcanhares junto à lareira, pegou na pá e remexeu a lenha em brasas. Pôs mais dois pedaços de lenha e enfiou-os para baixo das brasas que já lá estavam.
Com as palmas das mãos viradas para a lareira, gozou o calor que de lá vinha.
“Se não fosse o patife do tio Rodolfo, esta vida na aldeia era uma delícia! Por causa dele estou sempre com medo, a olhar por cima do ombro! Raios o partam!”
Estremeceu, ao pensar no que ele lhe faria se a apanhasse a jeito.
“Um dia mato-o! Juro que o mato!”
Sentiu passos a aproximarem-se da sala.
“Ainda bem que o chão é de madeira! Assim consigo sempre ouvir quem se aproxima! Mas ele é enorme! Que faço se se chegar a mim?!”
Olhou em redor.
“O picador de lenha! É isso mesmo!”
Esticando os braços, apanhou o picador de lenha com as duas mãos, segurando--o firmemente como se fosse uma lança. Sentiu os passos já dentro da sala, mesmo atrás de si. Estremeceu novamente, aterrorizada.
“É hoje que o mato!”
Com o picador bem agarrado com as duas mãos, virou-se bruscamente para enfrentar aquele homem terrível que a perseguia impiedosamente, decidida a espetá-lo na barriga…
A sala estava vazia, sem ninguém além dela própria…
Rigor Mortis
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OH, SORTE MAGANA!
(Conto para Dezembro e 13º mês)
Nos anos sessenta do passado século vinte, o Café Monte Carlo era uma instituição quase nacional. Na época dos cafés verdadeiros baluartes da vida cívica e social, o Monte Carlo era uma das formas de substituir os proibidos partidos políticos, local onde se trocavam ideias e debatiam, modestos embora, projectos de futuro. Nem os clubes desportivos lhe faziam sombra. Situado em Lisboa, ali ao Saldanha, em plenas Avenidas Novas, era uma quase a capital do país. Nunca conheci ninguém que o desconhecesse. Era normal, em Luanda, em Paris, ou por onde quer que fosse, dois desconhecidos a quem não escapava “aquela cara”, ficarem parados frente a frente de sorriso pendurado na boca, trocando o diálogo: −“Monte Carlo?” – “Sim, Monte Carlo!” E um abraço rematava aquele inesperado encontro de fiéis "
“montecarlistas”.
Lembro-me de uma reportagem publicada no Século Ilustrado da época que referia que, ao tempo, havia em Lisboa 27 cafés, que era exactamente o número de tabernas só no Bairro Alto, sinal claro de que o associativismo à volta de uma mesa se fazia por extratos sociais bem diversificados. Claro que cada café tinha os seus frequentadores habituais, mas o Monte Carlo era o mais abrangente. A Brasileira do Chiado e o Nicola do Rossio tinham ficado reservados para os intelectuais mais engravatados. Os cineastas da velha guarda continuavam no Paladium na Avenida da Liberdade, enquanto que os mais modernos peroravam no Vává na homónima de Roma. No Café Gelo, no Rossio, assentavam praça os surrealistas, o Cesariny, o Pacheco e outros que, às vezes, aos domingos iam de boné na mão pedinchar à saída da missa da igreja dos Mártires “esmolinha para os Vizigodos pobres” e lá recolhiam algum magro pecúlio que por vezes dava para um almocinho, devido à generosidade ignorante das fiéis senhoras.
Mas no Monte Carlo a “fauna” era mais variada. No corredor principal do café reuniam muitas vezes os intelectuais de direita que se sentavam nas mesas da direita, enquanto que os da esquerda, o Mário Castrim, o Abelaira, o Carlos de Oliveira e outros, ficavam do lado esquerdo. Nas mesas da entrada paravam frequentadores indistintos, como um tipo cujo nome nunca soube, mas a quem chamavam o “Areias” e que se gabava de ganhar a vida a exportar sacos de areia que ia roubar às praias da Caparica, e que vendia para a guerra da Argélia. E quando lhe diziam que no norte de África havia muita areia, respondia “talvez, mas essa para mim fica mais longe”. Havia também o Margalho, proprietário rural alentejano que diziam ter ficado arruinado a jogar no Estoril. Esse não poupava críticas aos militares: “São uns preguiçosos. Não querem é trabalhar. Vejam lá se quando há desfiles na Avenida eles marcham a subir? É sempre a descer que é para não cansar!” Outro castiço frequentador, algo transtornado das meninges, era um que se intitulava de espião russo com o nome de “Ku 14”, e que exibia um catálogo de submarinos para vender a preços módicos. Mostrava ainda com orgulho o sobrescrito do convite que recebera para a festa do Patiño em Cascais. Havia também o Saraiva, salazarista convicto, que se dizia membro da Legião Portuguesa, mas que fora engavetado pela Pide por engano na chegada do Humberto Delgado a Santa Apolónia. Quando saiu, queixava-se: “Oh, sorte magana, como tinha perdido o cartão, não consegui provar que tinha sido mandado para ali pela Legião para provocar os manifestantes. Vá lá que não me bateram, só me cuspiram na cara.” À esquerda da entrada passava-se para o restaurante, onde por vezes aparecia para tomar chá um senhor baixinho e de bigode, já de certa idade, muito bem posto e que ninguém sabia quem era. Numa tarde estaria por ali o empresário teatral Vasco Morgado queixando-se ruidosamente por os negócios não lhe estarem a correr nada bem. Consta que o tal senhor ter-se-á às tantas aproximado e ter-lhe-á dito que se precisasse de alguma ajuda poderia contar com ele. O Morgado, chateado com a vida e julgando tratar-se de um maluco, despachou-o mal humorado. Dias mais tarde veio a saber que aquele senhor era um tal Calouste Gulbenkian, residente ali perto no Aviz Hotel, mas que nunca mais por lá apareceu. Creio que o Morgado ainda foi procurá-lo no Hotel, mas o arménio já tinha partido para Londres. Oh, sorte magana!
No Monte Carlo havia ainda à esquerda do trajecto que conduzia aos bilhares, um espaço rebaixado de alguns degraus, só com mesas de café, a que alguns chamavam de “aldeia dos macacos”. Era o espaço da “plebe”. E era aí que habitualmente bebia a sua bica o protagonista da nossa narrativa.
Nunca deve ter havido tipo mais infeliz à face da terra. Começou logo no Registo Civil. O padrinho queria dar-lhe o nome de Felizardo, mas a mãe que era muito religiosa, quis chamar-lhe Nazareno por ele ter nascido numa 6ª feira Santa, que por acaso era dia 13. Só que o pai era belfo e não pronunciava bem as consoantes. Ainda por cima o oficial do Registo era surdo e, quando perguntou o nome, o que julgou ouvir foi Azareno. E assim o nosso homem ficou Azareno para o resto da vida. Começou aí o trágico destino que o acompanhou até ao fim da azarada existência. Só porque a mãe não quis que ele fosse Felizardo...
É sabido que a superstição atribuída ao 13 é devida em parte às sagradas escrituras, pelo facto de na última ceia de Cristo terem estado 13 convivas à mesa (12 apóstolos mais o Mestre) e no dia seguinte, que era 6ª feira, Cristo ter sido crucificado. Daí que a coisa se torne ainda mais aziaga quando o dia 13 calha numa 6ª feira.
O nosso amigo Azareno tinha o destino traçado. Toda a vida foi perseguido pela maldição do 13. Foi num dia 13 que partiu uma perna ao cair por uma escada abaixo, num dia 13 partiu um braço a andar de bicicleta e noutro dia 13 chumbou no exame da 4ª classe. A 13 ficou desempregado, a 13 foi preso nunca ninguém soube porquê. Num dia 13 casou, noutro dia 13 divorciou, às vezes nem tudo corre mal. A mãe teve 12 filhos antes dele, mas vieram a falecer todos ainda crianças. Ele, apesar de ser o décimo terceiro, incrivelmente escapou. Para agradecer a mercê quis ir a pé a Fátima no 13 de Maio, mas ainda não tinha andado 13 quilómetros quando foi atropelado por uma motoreta. Recuperou e quis aderir à IURD para agradecer a mercê, mas desistiu porque lhe pediram um dízimo de 13% do ordenado, despesa que não lhe dava jeito nenhum.
Mas o pior estava ainda para chegar. Num dia 13 de Dezembro, quando se preparava para ir receber pela primeira vez na vida o 13º mês, foi esmagado por um autocarro da carreira 13, ali junto à estação de Campolide. Parece que terá dito à hora da morte:−“Morro sem nunca na vida ter recebido o 13º mês... Um azar nunca vem só".
Os amigos, parceiros da bica no Monte Carlo, consternados pela morte do Azareno, únicos herdeiros que ele tinha nesta vida, foram comovidos à polícia recolher a roupa do sinistrado e, num bolso das calças, encontraram uma cautela da lotaria que, para espanto e gáudio de todos, veio a ser premiada com o primeiro prémio da lotaria do Natal desse ano. O “balúrdio” deu para pagar o funeral, para uma grande farra que quase fez fechar o Monte Carlo, para aquecer alguns bolsos, e ainda deu para uma lápide no cemitério do Alto de S. João gravada com uma frase que o Azareno uma vez deixara escrita num guardanapo de papel: “Eu sei que a sorte um dia virá”.
Oh, sorte magana!
Rui Mendes
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🙆 BOM Domingo!
📑BOAS Leituras!
O conto do Rui Mendes faz-me lembrar um caso real. Aconteceu no final da década de 70 do século passado, ou já na de 80. Alguém que mudou de nome no Registo Civil, por incompreensão da palavra dita pelo pai da criança. De Leovegildo, nome desejado, ficou registado como Gil.
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