🧐🕵️ Primórdios da Problemística Policiária Portuguesa...👣👣 🔍
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PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA POLICIÁRIA PORTUGUESA
PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA POLICIÁRIA PORTUGUESA
(CONTINUAÇÃO)
CICLO REINALDO FERREIRA – “REPÓRTER X”
“CONCURSO DOS CONTOS MISTERIOSOS” N.º 11
O RUSSO DE 19 DE OUTUBRO
Conheci Hipólito Zereen numa tarde que esperava, nas salas da delegação russa, de Berlim, que os espias da Guepeau terminassem a análise químico- policial ao meu passaporte. Hipólito Zereen, com essa prodigiosa maleabilidade poliglota dos moscovitas falava o portuguez, sem a menor arranhadela estrangeira.
- Você é de Lisboa? - indagára ele. - Que deliciosa terra! Todos os encantos de cor e de paisagem duma região tropical! – sem as ardências do sol nem as ciladas do clima. Passei lá uns dias… Uma missão secreta do meu governo… Mas… não fantasie romances! Nada de espionagem… Fui lá saber apenas se era oportuno propôr a Portugal a reabertura de negociações comerciaes… Bem simples e inofensiva era a missão… Mas isso não evitou que eu estivesse para lá deixar a pele… Foi um equívoco que me ia saindo a preço de ouro. Interessa-se pela história? É pena não ter tempo para lh´a contar. Mas deixe estar… Eu faço o meu diário em francez… Envio-lhe as páginas que se referem a esse episódio. Em que hotel está? No «Selezia»? Já sei… Frederik Strasse 96… Amanhã tem lá o diário...
O russo cumpriu como um inglês a promessa que fizera ao repórter lusitano. No dia seguinte tinha no meu hotel umas folhas dactilografadas. O que se segue foi apenas traduzido dessas folhas.
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Lisboa, 15 de Outubro de 1921. Hospedei-me no Avenida Palace… Tinham-me dito que o Avenida Palace era o melhor hotel de Lisboa… O que serão os outros! Escadas por alcatifar e um hall que de hall só tem o nome, visto que é pouco maior que o cubículo do porteiro do «Central» ou do «Splanade» de Berlim.
«Ordenava a mais elementar prudência que não pusesse no livro dos registos Hipólito Zereen, funcionário do Comissariado do Povo para os Negócios Estrangeiros da Federação das Repúblicas Soviéticas Russas. Inscrevi-me de acordo com os dizeres do meu passaporte: Yvan Borieff, chefe de exportação da casa Muller & Cª de Hamburgo; entre parêntesis, o seguinte diploma de confiança: ex-capitão das Guardas Imperiais Russas.
«No Avenida Palace poucos portuguezes encontro. As suas salas povoam-se quasi exclusivamente de uma multidão cosmopolita… Abundam os sul-americanos, os inglezes e os francezes. Procuro, após o primeiro jantar, o contacto das palestras das pessoas que estavam familiarizadas com o paiz e que me podiam orientar sobre a política nacional. Às onze horas já tinha três conhecimentos: John Clevand, fabricante partidário de novelas insonsas para os magazines ingleses: o Conde T., jovem monárquico, partidário de um vago príncipe que vive na Europa Central e que queima a mocidade num ódio rancoroso ao regime que governa Portugal; e Asta Wieth, uma bela dinamarqueza de olhos que parecem mudar de côr, a todo o instante, como o camaleão, e que passa por bailarina russa, o que ela não sabe muito bem o que vem a ser. São os três muito conservadores em política e a minha mentira de exilado adulou facilmente a sua simpatia e confiança. Sobre a situação local só me souberam dizer que há mais de dois anos que não havia revoltas em Portugal e que não devia tardar a próxima…
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16 de Outubro: Recebo a primeira carta do nosso delegado secreto em Madrid. Vem registada. Por acaso estava no hall do hotel quando chegou o correio. É um homem trintão, de guedelha tão comprida como a dos nossos nihilistas na época romântica das primeiras conjuras. Dou-lhe uma nota de gorgeta – e o homem contorciona-se em salamaleques.
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17 de Outubro: É fantástica a forma como funciona a T.S.F. dos boatos neste país. É fantástica, sobretudo, a faina com que esta T.S.F. engrandece até ao exagero caricatural os factos mais insignificantes. Das conversas que tive com o novelista inglez, com o conde luzitano e com a bailarina Asta, surgiu o boato que eu era um organisador da reacção internacional contra o bolchevismo. Esta manhã um redactor do “Diário” quis entrevistar-me sobre o assunto. Três reporters fotográficos fuzilaram-me com os seus Kodaks… Cá no hotel olham-me com admiração; já me chamaram Monsieur le colonel… Sinto-me nimbado com o ridículo do Burguez-Fidalgo de Moliére. No Rocio, ao passar em frente a um café chamado a «Brasileira», apontaram-me de indicador espetado e vi as miradas torvas que me lançaram… Ah! Se eles soubessem quem eu era e qual o papel que represento… À tarde tive outra carta registada de Madrid. O correio era o mesmo da véspera. Repeti a gorgeta e ele, como que para se tornar digno da próxima, segredou-me que devia rebentar uma revolução por estes dias.
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18 de Outubro: Não me enganou o carteiro. Caí em plena rebeldia militar contra o governo. Bonita oportunidade para tratar dos meus assuntos!
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19 de Outubro: Manhã trágica. Mataram o presidente do governo e não sei quem mais. Estava no salão quando um chausseur me veio pedir que descesse ao hall. Desci. No vestíbulo estavam cinco pessoas. O novelista inglêz, a Asta, o Conde de T…, o conciérge, e o carteiro. Atravez dos vidros via passar em frente ao hotel um homem de laço à Lavallière e de carabina a tiracolo.
Perguntei ao carteiro se era carta registada. Que não! Um simples postal. Admirei-me que ele quisesse entregar-me de mão própria um simples postal; admirei-me por ver esse postal estampilhado com sêlo portuguez; admirei-me sobretudo dos seus dizeres a lápis azul, feitos sobre o seu conteúdo redigido a tinta:
Tenha cuidado. Julgam-no um enviado estrangeiro contra os revolucionários e querem assassiná-lo. Não saia à rua. Estão a vigiá-lo.
Quando levantei os olhos do postal, buscando o carteiro para o interromper, já ele atravessava o grupo onde estavam Asta, o novelista e o conde e saíra para a rua. Estive uns minutos – uns cinco, talvez – reflectindo naquele mistério, e resolvi, por fim, seguir os conselhos do desconhecido protector. Mas, no momento em que pisava o primeiro degrau da escadaria ouvi que me chamavam… Voltei-me rápido. Era o carteiro que regressava ao hall.
- Tinha outra carta para o senhor e esquecia-me de lh´a entregar…
Rasguei o envelope, já na intenção de um novo imprevisto e li:
«Não manifeste a menor surpresa, senão está perdido. Não suba pelas escadas. No primeiro patamar está alguém oculto para o matar, logo que passe ao seu alcance. Dê uma corrida para o ascensor e vá até ao último andar.»
Desta vez, confesso, fiquei atontado. Que queria aquilo dizer? Quem quer que fosse que me prevenia devia estar no hall…. Mas quem? Quem? Se eu não vira o carteiro conversar com nenhuma das pessoas presentes!
Pelo sim, pelo não, resolvi seguir à risca as indicações que me ofereciam. Dei uma corrida para o ascensor e premi o botão do quarto andar. Espreitando pelos vidros do ascensor vi, no primeiro andar, um indivíduo de extravagante porte, com cartuchame à cinta e a mão direita no bolso do sobretudo. Estava meio oculto, muito colado à parede e espreitava para a escada como se estivesse esperando alguém. Esse alguém devia ser eu que já estava marinhando pelas alturas do Avenida Palace!
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22 de Outubro: Irra! Até que enfim! Há dois dias que estou com o enigma dos avisos anónimos sobre as brazas dos miolos a ver se frigem uma solução… E ei-la… A única pessoa que podia ter escrito aqueles postaes e sobretudo aquela carta era…
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EFEMÉRIDE
Foi a 9 de Dezembro de 2012 que faleceu o Homem que maior influência exerceu na divulgação da Problemística Policiária: "SETE DE ESPADAS", pseudónimo de Manuel José Tharuga Lattas - ribatejano natural da Chamusca que, tendo estudado no então Liceu de Santarém, prosseguiu depois a sua vida em Lisboa. Nos seus 67 anos de intensa actividade policiária foi decifrador, produtor, fundador do Clube de Literatura Policiária, criador da revista "Xyz - Magazine", etc, mas foi principalmente como responsável pela publicação de inúmeras Secções Policiais - nomeadamente em revistas juvenis como "Mundo de Aventuras", "Cavaleiro Andante", "Camarada" e variados outros órgãos que desenvolveu uma tão marcante actividade que lhe conferiu, para sempre, um dos lugares mais destacados na história da Problemística Policiária Portuguesa. Brevemente a Secção Policiária da revista "Sábado" vai promover um importante Torneio de homenagem póstuma a "Sete de Espadas", que está a gerar grande expectativa.
»»» Publica-se aos dias 15 e último de cada mês! «««
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