🧐 🕵️ Primórdios da Problemística Policiária Portuguesa...👣👣 🔍
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PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA POLICIÁRIA PORTUGUESA
(CONTINUAÇÃO)
CICLO REINALDO FERREIRA – “REPÓRTER X”
* * * * *
“OS 50 CONTOS MISTERIOSOS”
N.º 45 – O LADRÃO INOCENTENum velho livro de apontamentos da minha acidentada vida de repórter, casualmente guardado entre livros e papeis, encontrei há pouco algumas notas que fizeram reviver na minha memória um crime que há mais de quinze anos prendeu em França a atenção do publico e encheu colunas dos grandes jornaes de informação. Eu estava então em Paris e o sangrento sucesso interessou-me vivamente, pelas circunstancias que durante dias o envolveram numa atmosfera enervante de duvida e de mistério.
Vivia nessa data em Autenil, num palacete rodeado de jardim, o velho conde de Berley, de origem ingleza, cuja existência de aristocrata ocioso e multimilionário, decorrera entre os campos de corridas, os clubs, os restaurantes e os bastidores dos teatros, desde que o prazer de viajar deixara de ter qualquer interesse para a sua saciedade de blasé. Aos cincoenta anos duas únicas coisas o interessavam ainda: - as mulheres do teatro e as moedas antigas.
Numa grande sala do rez-do-chão da sua luxuosa residência acumulava-se em armários e vitrines uma infinidade de moedas de incalculável valor pela perfeição e raridade dos exemplares reunidos, formando uma colecção preciosa que era o orgulho do conde. Mostrava-a com desvanecimento mal disfarçado pela sua inalterável placidez de gentleman, e nunca quizera ouvir sequer as mais tentadoras propostas de compra.
A colecção de moedas do conde de Berley era conhecida e cubiçada por todos os amadores bem informados, a quem restava a esperança de que, sendo ele solteiro e sem herdeiros forçados, a sua morte facilitaria uma aquisição vantajosa.
Inveterado inimigo do casamento, o conde de Berley atara e rompera ligações de duração variável até que, já perto dos sessenta, se deixára prender no encanto astucioso e perverso de uma cançonetista espanhola, Conchita Valdés, que conseguira, pela beleza física e pela graça enfeitiçante dos cantares andaluzes, impor-se em ruidoso êxito a um publico exigente e difícil como é o de Paris.
O velho coleccionador de moedas e de bailarinas julgou fácil a conquista da jitana, de olhos pretos e cabelos de azeviche, mas enganou-se, porque ela resistiu-lhe, com a habilidade e a inabalável teimosia de quem sabe que joga numa cartada a realisação plena dos seus ambiciosos sonhos de felicidade e de riqueza. E o aristocrata orgulhoso, o velho conquistador irresistível, o encarniçado inimigo do matrimonio, para satisfazer o seu obsecante capricho, acabou por casar com a artista de café-concerto.
Com o acordar da embriaguez que lhe toldara a razão, ante a crua, a brutal realidade, a sua existência de homem do mundo, educado e culto, fino de sensibilidade e de maneiras, chumbada á vulgaridade espectaculosa e grosseira da andaluza – em cujas veias corria sangue de cigana – principiou a ser penosa e acabou por se tornar numa insuportavel grilheta. Pensou em libertar-se, mas a breve trecho sentiu-se irremediavelmente preso áquela mulher pela rede inextricável dos sentidos, de que a sua inteligencia e a sua vontade enfraquecida não conseguiam libertar-se.
Tinha um ciúme exasperante da companheira, ciúme do presente que temia e do passado tenebroso que ignorava. E como todos os desgraçados ruídos pela ciumeira senil, entendia que a sua única defeza estava em encarcerar a inimiga numa prisão doirada, furtando-a a toda a convivência que pudesse provocar a tentação de fruto proibido…
* * *
Certa madrugada, as imediações do palacete do conde de Berley foram alvoraçadas pelo alarme de brados de socorro, tiros de revólver e o furioso ladrar de cães excitados. Os primeiros visinhos que acudiram encontraram um homem ruivo, de má aparencia, subjugado por dois creados em cujo desalinho de vestuário se evidenciava a precipitação com que tinham acorrido dos seus quartos. Tratava-se de um gatuno que conseguira introduzir-se no rez-do-chão do palacete, para roubar e que, pressentido, ferira mortalmente o dono da casa e tentára fugir pelo jardim. Não pudera, porém, saltar as grades tão facilmente como o muro das trazeiras, por onde entrára, e fora logo agarrado.
A condessa Conchita dera tambem pela presença dum estranho nas salas do rez-do-chão e descera; mas infelizmente já não chegára a tempo de evitar a agressão nem o roubo, e só tinha podido perseguir o criminoso, gritando por socorro e disparando sobre ele um revólver de que se munira.
Isto contou una voce o pessoal da casa aos agentes ciclistas que acudiram. E assim não podia deixar de ser, porque nos bolsos do criminoso encontraram-se muitas moedas antigas, arrancadas dos escrínios alinhados nas vitrines cujas vidraças tinham sido forçadas com uma lamina – a da larga navalha de ponta e mola com que o bandido ferira também o conde profundamente, em pleno peito.
Assim, á primeira vista, o assalto, o roubo e o assassinio apresentavam-se numa evidencia indiscutível, praticados pela mesma mão familiarisada com o crime, pois o ladrão de agora já tinha sido condenado por outros roubos. É certo que não se lhe encontrava no cadastro qualquer agressão ou tentativa de homicídio. Mas na sua carreira tenebrosa, alguma vez havia de ser a primeira em que as mãos já habituadas ás algemas se haviam de tingir de sangue…
O conde chegára morto ao posto de socorro mais proximo; e iniciadas as investigações, tudo aparecia claro e exacto, a esmagar com o peso tremendo de um duplo crime o ladrão preso em flagrante. E o que mais indignava, acima ainda do banditismo sem nome de assassinar um velho indefeso e tropego, que desce em robe-de-chambre, de castiçal na mão, a verificar a origem de um rumor anormal – era a teimosia cínica do celerado em afirmar, em gritar, em soluçar a sua inocência no crime de morte. Não fôra ele quem ferira o conde. Era ladrão, não o negava, e introduzira-se naquela casa para roubar. Mas ao ver-se descoberto só pensára em escapar-se e nunca em resistir ou em agravar a sua culpa com um assassinato. E a todos os argumentos, a todos os indícios e a todas as provas esmagadoras, o preso respondia com uma negativa tenaz, exaltada, enraivecida pela impossibilidade de provar o que jurava. É claro que ninguém o acreditou e o processo ia instaurar-se com rapidez e sem qualquer deficiência de prova. Apenas o inspector Giraud, da policia judiciaria guardava, ante a atitude do criminoso, a reserva impenetravel de quem não formára ainda um juízo definitivo sobre o caso.
* * *
A viúva do conde e os seus amigos procuravam servir-se de todas as influencias para evitar a autopsia ao cadaver, invocando razões de sentimentalismo e de sagrado respeito pelos mortos, mas apenas conseguiram demorar a realisação inevitável do exame medico-legal que a justiça se recusou terminantemente a dispensar.
Ao mesmo tempo eram interrogadas as testemunhas, que não trouxeram qualquer elemento novo para o esclarecimento do crime. Apenas, quanto aos antecedentes, o creado de confiança do conde se referira ás questões que envenenavam a vida conjugal do seu patrão. A cada passo estalavam discussões coléricas que chegavam á crueldade do insulto, provocadas pelo ciúme doentio do velho, desconfiado da viva simpatia que certo sportman profissional despertava na consorte, e pela ânsia de liberdade da condessa, que não podia suportar mais tempo a clausura forçada na tristeza de um palácio sombrio, fechado ao brilho e ás seduções da vida exterior.
As scenas desagradáveis amiudavam-se, gritando a condessa que um dia punha termo áquele inferno e vociferando o velho fidalgo que a mulher a quem tirára do tablado para lhe dar a riqueza e um titulo anciava por se ver livre dele. E dos depoimentos dos creados concluía-se que no dia do crime a condessa Conchita de Berley estivera alguns minutos falando a uma porta de serviço, aberta no muro do jardim, com um rapaz novo e desempenado, que rondava a miudo o palacete, o que não tinha, afinal, a menor importância para a investigação do crime, suficientemente esclarecido.
* * *
Na tarde do dia em que se efectuou a autopsia do corpo do conde, o inspector Giraud entrou no gabinete do juiz encarregado de instaurar o processo do crime de Auteuil e disse ao magistrado:
- Como V. Ex.ª sabe, o ladrão do palacete de Auteuil nega ter assassinado o conde de Berley.
- Bem sei. Mas, apesar da teimosia negativa, não convence ninguem.
- Pois eu venho comunicar a V. Ex.ª que o ladrão das moedas está inocente do crime de morte.
- Como assim?
- Tenho provas. O ladrão é ruivo. E não são ruivos, mas bem pretos, os cabelos que, ao proceder-se á autopsia, se encontraram entre os dedos enclavinhados do conde. Confirma-se o que eu já suspeitava.
Quem matou o conde foi…
NOTA: Foi mantida a grafia da época (1927)
GENTIL MARQUES FALANDO DE
REINALDO FERREIRA
(Continuação)
”O MÊS DE OUTUBRO NA VIDA
DE UM HOMEM...”
Prossigo hoje com o pequeno estudo antológico que iniciei no número anterior (e ainda a propósito dos “I Jogos Florais Policiários” sobre a Vida e a Obra do saudoso “Repórter X” (Reinaldo Ferreira), cujo 44.º aniversário da desencarnação terrena se comemora precisamente neste mês de Outubro de 1979.
Aliás, o mês de Outubro teve sempre grande significado na carreira de Reinaldo Ferreira.
A tal respeito escreveu Mário Domingues - o seu melhor companheiro de sempre:
”... a 4 de Outubro de 1935, precisamente vinte e quatro anos depois de o ter visto pela primeira vez, com o seu laçarote às pintinhas e colarinho à mamã, Reinaldo Ferreira, o Aio que sondara tanto a minha alma, que a confundia, por vezes, com a sua, morria avelhentado e gasto, na flor às suas trinta e oito primaveras, nos braços carinhosos da mãe, a pobre mão que o esperava carregada de lãs, no átrio da escola, para que ele não se constipasse à saída, nem se lhe agravasse a asma que lhe poderia ser fatal."
***
Trinta e oito anos apenas - e uma obra de excepcional valia que não mais poderá ser esquecida ou ignorada!
Que teria ele conseguido realizar - se vivesse até aos cinquenta ou sessenta anos?
Mas as tais “razões que a razão não entende” - como proclamou o poeta (e muito bem) não permitiram que Reinaldo Ferreira passasse além das trinta e oito primaveras...
(texto de 1979)
(continua)
DOMINGOS CABRAL DA SILVA
»»» Publica-se aos dias 15 e último de cada mês! «««
INFORMAMOS OS LEITORES, ESPECIALMENTE AQUELES QUE TÊM PERGUNTADO PELAS "SOLUÇÕES" DOS "CONTOS/PROBLEMAS POLICIÁRIOS", QUE NO FINAL DE TODAS AS PUBLICAÇÕES... APRESENTAREMOS AS "RESPOSTAS" (PLAUSÍVEIS), MESMO QUE RESUMIDAMENTE... PELO QUE TODOS OS FÃS DESTES "PRIMÓRDIOS" DA PROBLEMÍSTICA POLICIÁRIA PODEM CONTINUAR A TOMAR NOTAS DAS SUAS PRÓPRIAS OPINIÕES... PARA, DEPOIS, COMPARÁ-LAS... COM AQUELAS DEDUÇÕES/OPINIÕES!!
Muito Bons (acho muito engraçada a grafia antiga)👏✍️📖
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