🔎 Memórias do Policiário – 058 🔍
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O Gráfico
Sete de Espadas
*** As “Pegadas” de hoje, da 58.ª Edição das “Memórias do Policiário - O Gráfico”, são também de homenagem a SETE DE ESPADAS e recordam um problema policiário de sua Autoria e a respectiva Solução!
O Gráfico
NUM CORREDOR COM 20 METROS ou BISBILHOTICES NA RESIDENCIAL DAS AVENIDAS
Problema Policiário
Autor: SETE DE ESPADAS
Os problemas para os «Novos» ou «Iniciados», devem ser suaves, maneirinhos, acessíveis, com um fiozinho de trama ou mesmo de história, mas dirigidos directamente ao fim a atingir dentro do nosso querido passatempo – o policiário dedutivo… das «cinzentas!».
Foi a pensar nisso que eu, ao aceitar o convite do prezado amigo e companheiro de outras jornadas, Insp. Aranha, para «me encarregar» de um problema para os «Novos» ou «Iniciados», fui à procura dos meus velhos papéis e encontrei o «esqueleto» deste que hoje vos proponho…
Numa folha amarelecida havia, ao alto, a seguinte legenda «Num corredor com 20 metros» por cima de uma outra já riscada que dizia «Bisbilhotices na Residencial das Avenidas». Do meio para baixo daquela folha velhinha podia ver-se uma série de rabiscos e números que faziam uma intrincada tecedura…
Havia, também, algumas linhas escritas…
Quando se tem que escrever um problema, já repararam que «Ela raramente aparece?... («Ela», aqui, referia-se à imaginação, claro!).
E, no entanto, o caso não é assim tão difícil, pelo menos aparentemente.
Imaginem as gentis leitoras e os prezados amigos, uma residencial nas chamadas «Avenidas Novas de Lisboa», situada numa dessas vivendas dos anos 20 onde, no primeiro andar, no topo de uma larga e ampla escadaria bem lançada, depois de um patamar, se entrava num largo e comprido corredor alcatifado num tom verde azeitona, em cujas paredes cremes se viam algumas gravuras iluminadas no momento por quatro «apliques» e por um candeeiro de tecto com duas lâmpadas de largos quebra-luz roxo, de franjinhas…
Para esse corredor davam todas as portas dos quartos e todas essas portas abrindo para a direita…
Ao fundo do corredor abria-se na parede um cone com uma abertura interior de 75 centímetros de raio, fechado no exterior por uma janela de vidro avermelhado, guarnecida de uma grade de ferro trabalhado…
Ao canto, próximo da porta do quarto doze, um desses jarrões enormes de louça vidrada, onde se depositavam os chapéus de chuva molhados…
Por cima do óculo, a toda a largura da parede, um espelho ligeiramente inclinado. Creio que estão a ver o que era, e quase como era, a «Residencial das Avenidas».
Claro que todos os quartos estavam ocupados, sendo numerados, pela esquerda de 1 a 13 e os do lado direito de 2 a 12.
No momento do grito – e isto estava escrito nas declarações que a todos tinham sido pedidas pelo inspector – o hóspede do quarto dez, funcionário da «repartição de finanças» instalada no bairro, principiava a subir o último lance da escada interior, quase escada de caracol…, situada ao fundo, à direita do corredor, e vira pelo espelho a porta do quarto nove a fechar-se suavemente. Depois desviara a vista por causa do degrau que à tarde tinha sido retirado para ser substituído e… a partir daqui era o que todos sabiam.
Os ocupantes dos quartos doze, oito, quatro, três e cinco, estavam reunidos no quarto um, festejando o aniversário do ocupante, professor de educação física.
A viúva do Brigadeiro Saavedra, ocupante do quarto onze, fora quem gritara ao acordar repentinamente e ver um embuçado, de mascarilha, a estender a mão para o valioso colar colocado numa concha sobre a cómoda. Ambos tinham desaparecido num abrir e fechar de olhos, como que volatilizados. Depois, e quase logo de seguida, segundo lhe parecera, a primeira pessoa a entrar ali fora o ocupante do quarto treze, logo seguido pelo ocupante do quarto dez que declararam nada mais ter visto de anormal.
O colar, de facto tinha «voado»… e do «mascarilha» nada se apurara. No entanto, e para descanso dos leitores se informa que, o primeiro fora mais tarde encontrado sob umas camisas dentro de uma das gavetas da cómoda do ocupante do quarto doze… que nada soubera explicar, até porque estava no aniversário.
A ocupante do quarto nove declarara que tinha acabado de chegar, que mal tivera tempo de encostar a porta do quarto e dirigir-se à escrivaninha para daí estender a mão e descer a gelosia, quando ouvira o grito da senhora do lado. Como não gosta de se meter na vida dos outros, deixara-se ficar no quarto, ciente que a senhora seria imediatamente assistida. Era sempre assim, mal se dava um grito em qualquer lado.
O ocupante do quarto treze, um ourives que desprezava as superstições, declarara que, ao ouvir passos no corredor, tinha espreitado pela sua porta, que ligeiramente abrira numa simples greta, e vira pelo espelho do fundo do corredor a ocupante do quarto nove a entrar e a fechar mansamente a sua porta.
O ocupante do quarto que não fora encontrado na altura…, mas por coincidência a «steno», que ocupava o quarto seis, declarara, garantido com segurança, que o vira pela sua porta que por casualidade entreabrira um ou dois minutos antes do grito, sair do onze, caminhando para a direita, para o fundo do corredor, silenciosamente, tanto quanto lhe parecera, mas a passos largos.
O ocupante do quarto dois, despachante da Alfândega, apesar dos ruídos de alegria ouvidos no quarto um, do grito e do posterior rebuliço, continuava a dormir paulatinamente, quando lhe entraram no quarto.
Mais tarde, veio a saber-se que o Rodrigo, Solicitador, e ocupante do quarto sete, era quem administrava os bens da viúva do Brigadeiro Saavedra. Fora ao quarto da senhora D. Letícia buscar umas acções da «Companhia das Águas», necessárias para a manhã seguinte – o que a viúva confirmara! – e dissera ter visto o colar no seu lugar habitual…, mas não se afligir, porquanto, o colar estava devidamente seguro!
No dia seguinte, o inspector encarregado do caso, sem quaisquer outros elementos da «Técnica» que tinha fotografado e recolhido as impressões digitais, começou a arquitectar uma teoria e envolver dois suspeitos e… a um por ter querido imitar um célebre «ladrão elegante de mascarilha negra e echarpe de seda branca» qual «rato de hotel» e a outro por possível e provável conivência… mandou-os buscar!
Naquela folha de papel amarelecido nada mais constava…, mas o caso não se tornava assim tão difícil, porquanto… Pois!... Pois!
1.ª – Será capaz de indicar os que foram dois suspeitos?
2.ª – Diga o «como» e o «porquê» dessa sua indicação.
Solução do Autor:
Era um problema de dificuldades aparentes e não reais... Muitas vezes, para resolver um problema policiário, há que conhecer os métodos usados, habitualmente, pelo produtor… Saber, por exemplo, a razão do autor fazer certas narrações e colocar certos objectos na cena…
Quem se recordasse da Óptica, veria imediatamente que, enquanto a declaração do quarto 10 estava certa, a do quarto 13 estava errada…. – pois o ângulo de incidência não era igual ao ângulo de reflexão… Ele, o do quarto 13, com o espelho naquela posição e inclinação, jamais veria as portas dos quartos ímpares!...
Depois haveria que considerar quando, e como, é que uma porta «está encostada», tem «uma greta» ou está «entreaberta»… Repare-se que a «abertura» vai aumentando…, mas ainda não está «aberta», porquanto, é considerada como tal quando um vulto humano a pode franquear…
E não foi esse o caso!
A ocupante do quarto 6 diz que «entreabriu»… mais, diz que «vira pela sua porta»! Não diz que «espreitou deitando a cabeça de fora»!... Como o que aconteceu foi «o ver pela porta» – ela mente, pois, por esse acto sé poderia ver as portas dos quartos 1 e 3, muito mal a do 5, apesar de estar na sua frente!... e impossível ver o 7, o 9, o 11, ou o 13!
Se tiverem dúvidas experimentem… E considerem a «porta entreaberta», aí com uma ou duas mãos travessas, o que lhes dará, com todas as boas vontades, uma «largura» ou «afastamento de batentes» de uns 15 centímetros… Até vai parecer mais do que «entreaberta»…, mas mesmo assim, com «tal abertura», ela, a ocupante do quarto 6, não falará verdade!
Aliás, se ela falasse verdade, a do quarto 9 que tinha acabado de subir pela escada principal (só poderia vir por aí visto o do quarto 10 não a ter encontrado lá em baixo no rés do chão quando entrou nem a ter visto subir a escada de caracol quando ela começou…) ou o hóspede do quarto 10 que subia pela escada de serviço interno, tê-lo-iam encontrado…
Não! Ela sabia que ela tinha saído, sim!, mas há muito mais cinco ou há mesmo mais de dez minutos… pois até deu tempo a que a D. Letícia adormecesse… (E sabemos que isto é verdade pois ambos os interessados no-lo afirmam!)
Com aqueles dados fundamentais… depois era deixar correr a fantasia…
O vulto negro, embuçado, de mascarilha, que «evaporou» o colar… era a «steno».
(E não me venham com a história de, «o embuçado», ser ou no ser «masculino»…)
…E como ela, logo após o grito, não consegue fugir para o quarto do seu cúmplice-receptador (quarto 13), porque o do quarto 10 vem já no topo da escada, arranca a máscara da cabeça e mete-a no jarrão dos chapéus de chuva…
(Vocês não perceberam logo que trazia água no bico a minha localização ali de tal jarrão?...)
…ficando de calças negras e echarpe branca (e por isso vos dei essa ideia no final… Vocês nunca leram nada de Raffles nem do Arséne Lupin?...), como os «ratos de hotel»… A sua única solução é entrar para o quarto 12 e aí, com mais ou menos precipitação, esconder o colar, para o que desse e viesse…
É então que entra em cena o seu cúmplice, em acção previamente combinada… Sai do quarto 13 e entra no quarto 11… (Ele lá sabia porquê… Como sabia que dali tinham saído o grito e… o colar!)
Mas também ele, quando declara «ter ouvido passos»… mente!
Naquele corredor alcatifado, como ouvir passos de mulher a mais de oito metros de distância e confundindo-se com os ruídos festivos do quarto 1?... Impossível!
E, creio que o essencial está dito…
MTR
ResponderEliminarAs boas memórias são para ser recordadas. Beijinhos
AINDA ME LEMBRO DELE😥 MUITO BOA PESSOA
ResponderEliminarMTR
ResponderEliminar👏👏👏