🧐🕵️ Primórdios da Problemística Policiária Portuguesa...👣👣 🔍
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PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA POLICIÁRIA PORTUGUESA
PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA POLICIÁRIA PORTUGUESA (CONTINUAÇÃO)
CICLO REINALDO FERREIRA – “REPÓRTER X”
“CONCURSO DOS CONTOS MISTERIOSOS” N.º 7
O DITADOR CABRERAEram cinco horas, e a redacção da Agência Americana estava apinhada pelos “habitués” que vinham todas as tardes folhear as gazetas recem-chegadas á Europa, saber as “últimas” irradiadas pelos cabos e discutir a politiquice daquela ninhada de repúblicas do outro Continente.
A Agência Americana era uma organização de serviços de reportagem transatlântica que eu dirigia, em Paris, naquele ano de 1920. Compunha-se de três salões, monotonamente doirados, com móveis de estilo império - e uns fogões que o contínuo, com um feíissimo vestal, atafulhava de carvão, de manhã até á noite.
Toda a semana fôra muito atarefada para os redactores da Agência. Entrevistas, reportagens sobre os spartakistas de Berlim, e boatos de graves alterações nos Estados da América Central. Para esquivar-se á aerraise dos visitantes, fechei-me no meu gabinete, sob a padunagem de um retrato do presidente Epitacio, do Brazil, dependurado na parede fronteira á da secretária. Ficaram comigo apenas três visitantes: o escritor de Guatemala, Angel de Morales, exilado em Paris pela tirania do dictador do seu paiz, o feroz presidente Estrada Cabera; o jornalista francez Jacques Marigny – um “blaguer” cheio de talento e de mandreice, capaz de perder um dia inteiro, em palestras estéreis e deitar-se sem jantar; e Rubem Tovar, outro cidadão da República de Guatemala, cuja vida, dispendiosa e inactiva, constituía um mistério para todos os seus compatriotas que o sabiam filho de uma família modestíssima.
Eles falavam a meia voz, para não me distraírem do trabalho; e enquanto eu, manobrando simultaneamente a tesoura e o pincel de cola, ia organisando o serviço para a imprensa parisiense, deixei que coassem pelo meu espírito frases soltas dos três conversadores – frases que depois me haviam de orientar no labirinto deste verídico episódio.
Falava-se da situação política de Guatemala; e Angel, atacado de fobia pelo presidente Cabrera, exclamava:
- Tão convencido estou que a minha pátria periga sob o despotismo desse sargentão sanguinário que seria capaz de praticar todas as loucuras, todas as baixezas para o desmascarar ante o mundo civilisado.
E logo o outro, o Ruben, o da bohemia elegante, o da misteriosa ventura, retorquiu:
- Não digas isso, Angel! Estrada Cabrera é um político que sacrifica a sua reputação, porque quer impor a ordem ao nosso Guatemala. Eu, pelo contrário, tudo sacrificaria, para os salvar dessas situações em que os dictadores podem afundar-se, como por um alçapão. Todos os homens estão sujeitos a erros – e um governante mais do que ninguém… O que é preciso é esquecer esses erros, ocultá-los mesmo, para que não sirvam de arma nas mãos dos estrangeiros.
E Marigny, tomando, com disfarce, uma pitada de cocaína, comentou:
- Deixem-se de zangas… Não vale a pena! Vejam vocês se a vida me preocupa… Só de tempos a tempos tomo interesse por um assunto, agito-me, mas é necessário que consiga algum dinheiro, de um só golpe…
*
… Às seis e meia entrou no meu gabinete um novo personagem. Era um burocrata da Legação da Guatemala – um catalão em cujo cérebro ardia, sem ele o confessar, o rastilho das ideias marxistas. Ao dar com Angel, com Marigny e com Ruben deixou que o rosto se lhe crispasse, numa expressiva contrariedade:
- Que te traz por cá? Indaguei…
- Nada! Nada! Só para te ver…
Fonografou meia dúzia de banalidades e no momento de partir, entregou-me uma folha de papel dobrada em quartos, segredando-me:
- Não posso contar-te tudo diante desta gente. Lê e publica nos jornaes europeus. É a cópia dum telegrama cifrado que chegou á Legação. Será o acto mais nobre da tua carreira de jornalista.
Coloquei a folha sobre a minha pasta; pus a tesoura sobre ela á laia de pesa papéis – e acompanhei o catalão até á escada. Quando voltei ao meu gabinete já não encontrei nenhum dos tres grulhas. A tesoura estava caída sobre o tapete. Li o papel. Nele estavam copiadas a lapis tres notícias; o falecimento de uma dama mui piedosa; o lançamento dum emprestimo; e a chegada de um novo diplomata francez a Guatemala… E como nenhuma das três noticias oferecesse matéria sensível á selecção da imprensa parisiense, amarfanhei a folha que foi morrer á vala comum de um cesto dos papeis.
*
Três dias depois, choquei-me com o catalão da chancelaria de Guatemala, numa “terrasse” do Café Napolitaine.
- Parece impossível que podendo você salval-o - não quizesse fazel-o! – exclamou o chanceler.
- Não o compreendo. Na folha que você deixou nada encontrei que merecesse a minha curiosidade.
- Não diga isso! Eu copiei todo o texto do telegrama cifrado. Mas a última parte do cabo referia-se á tragedia.
- Mas qual tragédia?
- A de Chocano!
- Chocano? Chocabo era – e é ainda hoje, graças a Deus – o maior poeta das americas espanholas. E além de poeta estava aparentado a Estrada Cabrera. Casara-se com uma filha do dictador.
E o catalão explicou:
- Estrada Cabrera descobriu que o genro conspirava contra ele. Enfureceu-se e condenou-o á morte. Deve ser executado dentro de oito dias. A Legação quer guardar em segredo a notícia deste atentado vandálico contra a maior alma do continente americano! Mas eu dei-lhe a copia da informação para você tocar a sineta do alarme… Quando a Europa souber que Chocano, “el magnífico”, vai ser fuzilado, levantar-se-ha em pezo. Cabrera, que não empalidece ante qualquer chacina que cometa dentro de Guatemala, acovarda-se ante a opinião estrangeira. Perdoar-lhe-ha pela certa. Mas, para isso, é preciso publicar o telegrama secreto”
*
Publiquei-o na imprensa franceza. A opinião europeia foi electrizada. Todos os intelectuaes do mundo protestaram contra o crime premeditado por Cabrera. Em Portugal, Junqueiro, Aquilino Ribeiro e outros assinaram o manifesto. Chocano foi indultado e expulso da Guatemala. E quando serenei, puz-me a reflectir na escamoteação da notícia que o catalão me tinha deixado naquela tarde.
E pensei: o escamoteador só podia ser um dos visitantes que estava no meu gabinete: ou o exilado Angel; ou o jornalista Marigny; ou o misterioso Ruben. Um dos três lêra o papel. Um dos três não quizera que a notícia da condenação de Chocano aparecesse na imprensa europeia. Um dos três pegara na tesoura e mui tranquilamente a cortara e a fizera desaparecer. Mas qual dos três? Qual dos três teria interesse nessa escamoteação?
Sorri-me. Encontrara o truc para fazer confessar o culpado. Três comunicações telefónicas.
- Está lá? É você, Angel? É você, Marigny? É você, Ruben? Olhe… preciso reunil-os para que se aclare o assunto do desaparecimento dum telegrama do meu gabinete! Não posso ser mais elucidativo, pelo telefone. Esteja cá, esta tarde, às cinco horas – à hora do costume.
* * *
E naquela tarde, ás cinco horas, só dois apareceram. Um – o culpado – não teve a coragem de se defrontar comigo. O culpado era…
Quem escamoteou a notícia sobre Santos Chocano? Quem podia ter interesse em que ela não se publicasse na imprensa franceza? Releiam o período que se refere á conversa de Angel, Marigny e Ruben sobre a política de Guatemala, raciocinem um pouco e encham o coupon:
* * * * *
Nota: Esta transcrição respeita a ortografia original.
»»» Publica-se aos dias 15 e último de cada mês! «««
Antigo, mas muito bom e sempre atual🔍🔍🔍
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